Pratique, Yoga na Vida

Do desapego

Desde que resolvi me aprofundar na prática do yoga, sinto que venho me desapegando de hábitos, lugares, pessoas, coisas que faziam parte da minha vida

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Desde que resolvi me aprofundar na prática do yoga, sinto que venho me desapegando de hábitos, lugares, pessoas, coisas que faziam parte da minha vida. Ou talvez este distanciamento já vinha acontecendo e foi por causa disto que senti que era hora de transformar minha prática, que até então era mais dedicada ao lado físico do yoga.

Nos primeiros seis anos de prática, relutei em mudar. Era como se eu vivesse duas vidas: uma, a minha vida pessoal e profissional, cercada de amigos, festas, romances e muita balada. Outra, a de aspirante a yogui, freqüentando cursos e workshops e praticando, no mínimo, três vezes por semana. Mas a vida que prevalecia era a outra, uma vida de excessos.

Costumava até me vangloriar de ser uma pessoa voraz, de pecar sempre por mais. De ser apaixonada e obsessiva. De viver como se fosse o último dia. De dar-me exageradamente e exigir reciprocidade.

Hoje vejo o quanto deve ter sido difícil conviver comigo numa relação amorosa. Porque, no fundo, eu procurava nos outros aquilo que era incompleto em mim. O que eu amava era a sensação de plenitude que os outros me faziam sentir, mais do que as pessoas em si… E assim, transferia as minhas expectativas para quem estava se sentindo tão incompleto quanto eu e tudo acabava em separações doloridas e desastrosas…

Só depois é que compreendi que a sensação de vazio era porque eu não sabia que o Ser é fundamentalmente completo, eterno e feliz. O que nos faz sofrer é a ilusão de que somos incompletos, ou seja, a ignorância de nosso real estado de completude. Quantas pessoas eu devo ter feito sofrer por causa da minha ignorância…

Enfim, vivi quase quarenta anos de minha vida intensamente. Ou pelo menos, acreditava que vivia… Lembro-me de vislumbrar uma vida mais calma, um amor tranqüilo, casa no campo, paz e estabilidade. Mas fantasiava tudo isso como se fosse uma Shangrilá que eu viveria na velhice, ou apenas em sonho mesmo. Fantasia. Como se fosse o meu idílio…

Aos quarenta anos, encontrei o homem com quem espero passar o resto da minha vida. E pela primeira vez, não foi um encontro passional, fundado apenas no desejo e em expectativas.

Foi um encontro maduro, de duas pessoas que já viveram outras relações e que, mais maduros, apostaram no companheirismo, na parceria. E junto com este amor tranqüilo, veio a paz e a possibilidade de uma mudança substancial de valores. Tudo muito natural, muito simples…

Nunca pensei que o amor pudesse ser simples. Simples como a vida… Como a natureza, como o universo. Passei a me espelhar na quietude da natureza, na sua equanimidade, e a cada dia, sentia-me mais firme, mais equilibrada e, principalmente, com o olhar mais generoso em relação a tudo.

O mar revolto que eu era, foi se transformando em um córrego tranqüilo. E tudo que eu buscava avidamente, tudo que eu imaginava sólido, desmanchou-se no ar. Pessoas que sempre tive como garantidas foram ficando distantes, assim como antigos projetos, antigos lugares e hábitos.

Tudo foi ficando para trás de forma muito natural. No entanto, ainda me assusto quando me pego deslocada no meio daquilo que me era tão familiar. Como se uma parte de mim estivesse morrendo. E certamente está. Tudo está morrendo o tempo todo, tudo está passando. Este momento está passando, esta é uma das poucas certezas que temos, da impermanência das coisas.

Minha atitude antiga seria a de não querer deixar ir, de fazer tudo pra não perder o que já tinha conquistado. De querer prender ou retomar pessoas, hábitos, convicções.

Mas desta vez, agi como um observador, que percebe todo o movimento sem se deixar envolver por ele. Não julga, apenas observa e respeita.

E, principalmente, confia. Porque a intuição diz que esta deve ser a atitude a ser tomada. Faça o que deve ser feito, me diz a intuição. E eu me rendo. Entrego e confio, sabendo que eu escolhi ou fui escolhida para fazer parte da viagem mais exuberante que alguém pode fazer: para dentro de si mesmo!

Namastê…

São Paulo, 31 de maio de 2007

Tereza é yogini, mora e pratica em São Paulo. Dirigiu e produziu, em parceria com Daisy Rocha, o documentário Caminhos do Yoga, filmado na Índia em 2003.

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8 respostas para “Do desapego”

  1. Também me identifiquei com seu artigo. Pois é exatamente assim que me sinto, como se algo estivesse morrendo em mim, e ao mesmo tempo recomeçando algo novo, mais puro. Um abraço,

  2. Namastê Tereza, estou passando por um momento muito difícil na minha vida e fui meio que guiada a ler seu texto, já era madrugada. Quero agradecer por contar sua história, simples e bela, de desapego. Tocou profundamente meu coração e sempre que enfraqueço nos meus propósitos, leio novamente pra entender que é necessário apenas observar e deixar as coisas irem para o seu lugar. Obrigada!

  3. Olá…

    Agradeço suas palavras simples e diretas ao coração… Faz descobrir a força que brota das nossas fraquezas quando o caminho escolhido, enfim, tem um coração.

    Um abraço!

    Hari Om!

  4. Olá. Adorei ler. Gostaria muito de praticar também, porque faz bem à alma.

  5. Parabéns pelo texto, ele consegue tocar o coração das pessoas.

    Também passei por um período de intensa instabilidade, mas agora vejo que devemos apenas observar a constante impermanência de todos os fenômenos.

    Abraços e até breve!

  6. Olá, Tereza, fiquei realmente emocionada com o seu depoimento. Gostaria de saber onde encontrar este documentário que vc menciona.

    Beijos.

  7. Olá, Tereza! Bem profundo e tocante seu compartilhar. Me tocou em especial:

    1) “Quantas pessoas eu devo ter feito sofrer por causa da minha ignorância? ”

    Isso é muito forte, né? Outro dia li que enquanto houver medo nos nossos corações causamos danos a outras pessoas. Será por isso que tantos yogis se isolam até alcançar a consciência? Lembrei também que já tive uma fase da minha onde precisei ficar sozinho para não magoar os outros…

    Você também me lembrou e estimulou todo esse comentário porque:

    2) Ontem à noite vi as fotos de antigos amigos meus com quem compartilhava churrascos em forma celebrativa. Apesar de nunca ter sido muito chegado no consumo de carne desde pequeno, era um evento social de faculdade. Cheguei à conclusão de que meu sentimento ao olhá-los na foto era de vergonha. Vergonha de não ter sido quem eu era, porque agora eu pelo menos sei que eu não era aquilo. E antes ou junto, nem sei direto, que caísse no choro do ego envergonhado, lembrei de uma lei: tudo tem seu preço.

    As máscaras inconscientes que corrompem o svadhyaya e usamos para sermos aceitos também têm seu preço. A lei do dharma é infalível, mas com esforço nos bons karmas damos um jeito.

    Enfim, tenho o hábito de começar a prática no tapetinho lembrando que se o Yoga é a direção, precisamos compreender que a raiz ignorante dos condicionamentos separantes desse Yoga precisa ser encontrada para nos desapegarmos com consciência, nos liberando rumo ao real Ser, fibra por fibra muscular. E aqui ao invés da vergonha, ganhamos força na meta e satisfação para continuar a dura arte de desaprender, até sermos o constante desapego, como orienta o Yama. Esses compartilhares aqui são muito legais! Nos incentivam a trabalhar de verdade rumo à meta, além de nos integrarmos à comunidade que busca nossa verdadeira identidade, no Yoga das veras raízes.

    Aproveito pra dizer que os Caminhos do Yoga foi um dos primeiros documentários sobre a Índia que vi com atenção, contribuição importante para uma das primeiras demandas de um aspirante que estou tentando ser: viveka (dissernimento).

    Tudo de Ommm!

    Namaste.

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