Foi preciso que eu pegasse uma conjuntivite que me obrigou a parar temporariamente com os ásanas para aprofundar a minha prática de meditação…
Praticar Ashtanga Vinyasa Yoga é paradoxal. Ao mesmo tempo que fortalece o corpo, e consequentemente o ego, a prática também te coloca no devido lugar quando o ego começa a soltar suas asinhas.
Afinal, praticamos Yoga para domesticar este pequeno monstro que habita em todos nós. Mais um paradoxo: é pequeno e é monstro… Pequeno, se pensarmos na imensidão do Ser, e monstro porque exerce um poder imensurável em nossas vidas.
É preciso tomar muito cuidado para a prática de Ashtanga Vinyasa Yoga não virar ‘Ashtego’. Ela parece ter sido sistematizada para nos testar. Quem pratica seriamente, seis dias por semana, inevitavelmente fica com um corpo forte, saudável e vigoroso.
Mas se este for o fim e não um meio para se chegar num outro patamar, invariavelmente a gente acaba se machucando, porque vai querer fazer ásanas cada vez mais complicados, pois o ego quer sempre mais…
Praticamos ásanas para atingirmos o estado de meditação. Na Índia, muitos praticantes já nem precisam de ásanas. Na sua cultura, as pessoas tem o costume de sentar no chão e não em cadeiras. Qualquer um senta em padmásana. No ocidente, crescemos em cadeiras, não temos o corpo preparado para meditar. Precisamos de ásanas.
É uma prática sedutora, que nos instiga a buscar a perfeição e a harmonia e nos desafia, por conter séries com graus de dificuldade diversos. Portanto, é preciso esforço e perseverança para avançar nas séries. Penso que para pessoas ativas e com dificuldade de manter a concentração e disciplina, pode ser uma prática indicada.
Tenho amigos que não se interessam pelo lado filosófico ou espiritual do Yoga e praticam Ashtanga Vinyasa Yoga todos os dias da semana. Gostam do fato de ser uma prática vigorosa e que produz bem estar e emagrece. E só. Pelo menos, é um começo, penso. Com o tempo, a pessoa verá que está desperdiçando o melhor que o Yoga pode oferecer, que é o auto conhecimento. Que o bem estar é só o começo de um caminho sem volta. E o contato com os professores e mestres abrirão as portas para esta viagem.
Mas descubro que muitas vezes a prática de Ashtanga Vinyasa Yoga acentua o narcisismo e torna-se um fim em si mesmo. Descontextualizamos sua origem, criamos métodos, enfeitamos com luzes, música e figurinos e o que deveria ser uma prática meditativa vira show de talentos. O bom ashtangi passa a ser o bom ‘ásaneiro’.
Falo com conhecimento de causa porque isso aconteceu comigo. Deslumbrei-me com a prática e desrespeitei meu corpo a ponto de pegar uma conjuntivite que me proibiu por duas semanas de fazer qualquer postura em que minha cabeça ficasse abaixo do coração. Tive que interromper a prática.
Descobri que tinha medo de meditar!!! Tinha me acostumado a fazer um mantra no começo, meditar em movimento, respirar nos ásanas e finalizar com mais um mantra.
Quando me peguei impossibilitada de sair de casa, resolvi encarar: meu corpo me dizia que precisava descansar. Não tinha como fugir da meditação.
Yogashchittavritti nirodhah.
[Yoga é a desidentificação com as flutuações do ego-mente]
Fechei os olhos e esperei… Vontade de me mexer, de cantar, de me alongar, de rezar, todos os pensamentos do mundo reunidos numa só mente. Fiz pranayamas, visualizações, usei todos os recursos que conhecia para acalmar os vrttis de minha chitta (flutuações do ego-mente).
Decidi só levantar quando acalmasse meu vrttis. Surgiu mais um: a dor nas costas. Cedi, levantei frustrada, mas com a sensação de ter tentado. Descobri que meditar exige tanta disciplina quanto praticar ásanas, ou quanto qualquer coisa que se quer fazer bem. Requer dedicação. No dia seguinte, tentei de novo, no outro também, e a cada dia sentia que o esforço trazia resultados.
Um dia, quando menos esperava, senti que tudo se encaixava, que eu me sentia plena, que naquele momento, não havia nada mais que eu desejasse, que eu poderia até morrer fisicamente porque tudo estava em paz.
Não sei quanto tempo durou, sei que voltei atraída por um som qualquer. Nem que tenha sido apenas um segundo, foi um dos mais intensos de toda minha vida. O vazio fez um eco no meu coração. Talvez isto seja chittavrtti nirodhah, a desidentificação com os conteúdos do ego e da mente.
Totalmente recuperada dos olhos, voltei a minha prática diária de Ashtanga Vinyasa Yoga. No entanto, de uma forma diferente. Mais generosa e tolerante com meus limites e, principalmente, com os limites dos outros. Precisei ficar doente dos olhos para conseguir enxergar com a alma…
Namastê!
Tereza é yogini, mora e pratica em São Paulo. Dirigiu e produziu, em parceria com Daisy Rocha, o documentário Caminhos do Yoga, filmado na Índia em 2003.
Namastê Tereza!
Não sei se foi sua intenção, mas a forma como se referiu a chitta me remeteu a um tipo de macaco e me fez lembrar que um tempo atrás, alimentando um numa área permitida de uma reserva, na hora me veio: A mente é que nem o macaco, pula de galho em galho.
Querida mente, que apelido conveniente você acaba de melhor compreender … Minha Chitta linda! Meu lindo e rebelde complexo mente-ego-julgamento individual transcendido e bem utiizado seja!
Bueno, falando na chitta, quando tu disse: ” Ao mesmo tempo que fortalece o corpo, e consequentemente o ego” me veio o seguinte pensamento: Será que não podemos tentar utilizar uma linguaguem que não nos faça pular de galho em galho? Ou dancemos como macacos? Sei lá, acho meio radical, ou seja, meio que pular para mais um galho, dizer que fortalecer o corpo, fortalece o ego como consequencia, prefiro dizer que pode fortalecer ou na sua experiência pessoal fortaleceu. Tudo depende do propósito de cada um.
Interessante seu depoimento sobre meditação, me parace que praticando tudo vem, inclusive o mal estar necessário para nos por para meditar. Santosha. Já aconteceu comigo tb. Mas, se alguma escola recomenda 3 anos de prática de asanas antes de meditar, também não vejo nada de mal, acredito muito que tem seu valor.
Bom … vou procurar um alimento bem legal pra minha chitta parar de pular de galho em galho. Será que ela gosta de um mantrinha para a compaixão bem concentrado? hehehe Harih ommmmmmmmm! Gratidão! PS: Bela foto, a do céu!
Oi, Tereza! Abençoada conjutivite! Felizes os que conseguem extrair das “dificuldades” oportunidades de aprendizado. E mais ainda os que conseguem extrair de uma conjutivite um ensinamento!! Tem uma frase que diz algo como enquanto o tolo olha para o dedo, o sábio aponta para o céu… Parabéns por esse texto tão ilustrativo e exemplificativo sobre o que é essencial dentro desse contexto de questionamentos do método Ashtanga Vinyasa Yoga. Que os nossos olhos obstruídos também possam se desvencilhar dos dedos e alcançar aquilo que é essencial nisso tudo.
Obrigada por sua voz! Abençoados olhos, abençoada voz.. Em Mariscal, lembra? Eu disse que você era a minha voz, e você que eu era os seus olhos, porque não conseguia ler os mantras na apostila por causa da conjutivite! 🙂
Bons momentos…
Inté o próximo…
Cris.
É uma realidade. O ego cresce junto com o desenpenho do corpo. É necessário um equilíbrio entre a mente e o corpo para não avançarmos em nosso limite. Namastê.