Os mahāvākyas e o problema inicial
A essência do ensinamento do Yoga é que o ser humano não está limitado, nem se reduz ao complexo corpomente.
No entanto, temos e alimentamos uma noção muito forte de que somos o corpo, de fato. Quando olhamos para o nascimento do corpo, vemos o nosso próprio nascimento.
Quando pensamos no momento da morte do corpo físico, vemos a nossa morte. Isso é natural, mas equivocado.
Como consequência desse erro, sentimo-nos mortais, limitados, insignificantes. O ensinamento do Vedānta nos ajuda a superar esse condicionamento.
Assim, precisamos passar por um processo de descondicionamento, no qual lembremos regularmente que não somos o corpomente. O complexo psicofísico é um instrumento. Nada mais.
Eu, enquanto consciência, sou aquele que dá origem ao instrumento, que se manifesta na sua forma, mas que não começa nem termina nele.
O que são os mahāvākyas?
Mahavākya é o conjunto das quatro grandes afirmações upaniṣádicas. São frases muito breves, que aludem de diferentes maneiras à realidade última, sintetizando a essência da visão do Vedānta.
Existem muitas afirmações nos Vedas que estabelecem a identidade entre Ātma e Brahman, o indivíduo e o Todo. No entanto, quatro delas são consideradas essenciais.
Cada uma delas está associada com um dos quatro Vedas: Ṛg, Sama, Yajur e Athārva e figuram numa das várias Upaniṣads associadas com cada uma dessas coleções de mantras.
O ensinamento é o mesmo, mas a formulação dele varia de Upaniṣad para Upaniṣad. Porém, todas elas estabelecem, de maneiras diversas, a identidade entre o ser individual e o Ilimitado.
Esses mahāvākyas são os seguintes:
I. Prājñanam Brahman: “Brahman é Consciência”.
Aitareyopaniṣad , III:.3, Ṛgveda.
II. Aham Brahma’smi: “Eu sou Brahman”.
Māṇḍūkyopaniṣad , I:2, Athārvaveda.
III. Tat tvam asi: “Tu és Isso”.
Chāndogyopaniṣad, VI:8.7, Sāmaveda.
IV. Ayam ātma Brahman: “Este Ātma é Brahman”.
Bṛhadāraṇyakopaniṣad, I:4.10, Yajurveda.
Como praticar?
Repete-se mentalmente um destes mahāvākyas por um tempo, apreciando seu significado e reconhecendo que a natureza da Consciência é a ausência de limitação.
Isso nos ajuda, por sua vez, a descartar a identificação com quaisquer outros conteúdos, pensamentos ou desejos.
Não há necessidade de repetir estas palavras por um período mínimo de tempo ou por um número limitado de vezes, por exemplo 108, usando um japamālā.
O que importa é a atitude reflexiva com o qual o mahāvākya é feito, lembrando que a própria natureza é o Ser ilimitado.
Os riscos
É necessário, ao mesmo tempo, evitar “vestir” estes mantras como um discurso retórico que se encaixe na própria personalidade. Esse, talvez, seja o maior perigo desta meditação.
O praticante que não estiver atento para evitar esse obstáculo poderá se encontrar em maus lençóis.
Dizemos isto pois, ao reduzir a visão libertadora do Vedānta a mera retórica, ele corre o perigo de usar esse discurso como um escudo para justificar o injustificável.
O praticante que usar as grandes afirmações védicas como um meio para realizar seus objetivos egoísticos atropela necessariamente o dharma, o bem universal.
Portanto, esta reflexão, o nididhyāsanam sobre estes mantras deve ser abordado com o máximo de cuidado, reverência e humildade.
Ele só deve ser iniciado sob a guia de um mestre, depois de realizado um intenso e sincero esforço através da compreensão, e à luz dos dois passos prévios: śravaṇam e mananam, escutar o ensinamento e dirimir as dúvidas, como já vimos.
Vale a advertência: isto não pode ser aprendido através de leitura ou estudo independente.
O propósito do presente texto, nesse sentido, não é ensinar a meditação nos mahāvākyas, mas contextualizá-la devidamente dentro da tradição védica.
॥ हरिः ॐ ॥
Veja também estes outros textos, para ampliar o panorama:
1. Vedānta para que?
2. O que é Vedānta?
3. A Meditação na Tradição do Yoga
4. Mahāvākya (em inglês)
॥ हरिः ॐ ॥
Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
Biografia completa | Artigos
gratidão wagner xaviet