Meditação, Pratique

O Saṅkalpa como Instrumento de Transformação

Sankalpa significa construção mental, resolução interior. Dentro da prática de Yoga, ocorre durante o Yoga Nidra, ou Sono do Yoga. Contudo, antes mesmo de abordar como se pratica e elabora essa construção mental, para compreendê-la é preciso descrever o contexto no qual ela se insere.

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O que é o saṅkalpa? De que transformação falamos?

Saṅkalpa significa construção mental, resolução para a transformação  interior.

Dentro da prática de Yoga, ocorre durante o yoganidrā, ou “sono do Yoga”, i.e., o relaxamento profundo que precede a meditação, no fim das práticas de Haṭhayoga.

Contudo, antes mesmo de abordar como se pratica e elabora essa construção mental, e para compreendê-la, é preciso descrever o contexto no qual ela se insere.

O yoganidrā, acontece após a realização de todas as posturas físicas, e algumas vezes após o exercício respiratório (pranayama). A pessoa deve se deitar de costas sobre o chão, com todo o corpo completamente relaxado.

Contudo, nem sempre o relaxamento acontece com o simples ato de deitar-se sobre o chão, e portanto, sugere-se que mentalmente se faça um passeio pelo corpo, enviando uma mensagem de descontração para os músculos que ainda estão contraídos.

Além disso, se aconselha observar a respiração acontecendo, e as sensações do corpo, em seguida dirige-se a atenção para os estímulos externos.

Todo esse processo deve ser feito de maneira consciente e imparcial, sem julgar aquilo que se sente ou percebe.

O relaxamento antecede o yoganidrā, portanto, as duas práticas não são sinônimas, pois o yoganidrā se caracteriza como um estado de consciência, que se assemelha ao sono profundo, porém de maneira desperta.

Durante o dia, permanecemos em um estado de vigília, desperto, no qual a mente tem acesso a conteúdos que são conscientes, e quando necessário a conteúdos que estão no subconsciente, e em paralelo, continua a processar informações de maneira inconsciente, mesmo que esses processos não sejam reconhecidos.

A maior parte do processamento de informações que a mente gerencia, acontece de forma inconsciente.

Tomemos um adulto como exemplo, ao se expressar através da linguagem, não fica pensando em quais letras vai utilizar, de modo que sua mente organiza um pensamento, e o processos inconscientes trabalham para que ele aconteça, organizando as habilidades para concretizar a ação.

Como acontece a transformação?

A mente inconsciente até mesmo influencia nas relações que estabelecemos com o mundo, com as pessoas.

Esses processos disparam comportamentos e emoções que parecem escapar ao controle consciente, e estão sobre influência de conteúdos que muitas vezes sequer conscientizamos, reconhecemos ou lembramos.

A esfera consciente é tudo aquilo que tenho em mente no momento presente, a história do livro que estou lendo, do programa de televisão que assisto, o que estou fazendo, como caminho na rua, buscando um determinando endereço ou apenas passeando.

Portanto, a mente consciente está imersa na situação que estamos experimentando ou se ligando a pensamentos que são suscitados pela experiência.

Nesses casos, essa memória estava disponível na esfera subconsciente, e foi chamada a consciência pela experiência.

No subconsciente ficam armazenadas as informações que podem ser necessárias a qualquer instante, como um número de telefone, o preparo de uma comida, ou até mesmo uma crença sobre a vida, por exemplo.

Além disso, nessa esfera também “residem” os perfis dos nossos hábitos, humores, comportamentos, crenças e valores a partir dos quais julgamos os eventos cotidianos, assim como as sensações provenientes dos cinco sentidos, e o que elas significam para nós.

O subconsciente funciona como um filtro, permitindo que apenas as informações necessárias tornem-se conscientes, para que o dia-a-dia seja vivido de forma fluída.

O resto dos conteúdos subconscientes fica ali atuando sobre os bastidores, como se estivesses fornecendo as ferramentas para atuarmos na vida, seja através de habilidade desenvolvidas ou formas de comportamentos e pensamentos que repetimos.

O inconsciente é o responsável por armazenar memórias que não podem ser evocadas por vontade própria, sendo apenas através de técnicas específicas, como hipnose por exemplo, puxadas em direção a superfície da consciência.

Dentro da Psicologia se considera que todas as memórias desde o momento em nascemos, até o presente, estão armazenadas ai.

Nessas memórias estão a origem de todos os hábitos, comportamentos, modos de ser e agir que cultivamos, e que estão “rodando” de forma automática no subconsciente.

Quando dormimos, começamos a sonhar, a mente consciente recua, e o inconsciente emerge, juntamente com os conteúdos armazenados no subconsciente.

No campo da Psicologia, alguns autores consideram, especialmente Freud, que é durante o sonho que os conteúdos inconsciente que não são admitidos pela mente consciente, se manifestam através de imagens e símbolos, muitas vezes armazenados pelo subconsciente.

Nesse processo, os conflitos psíquicos se tornam evidentes, através de imagens que o paciente, muitas vezes, é incapaz de reconhecer.

Outro psicólogo, Jung, admite que é através dos sonhos que conteúdos universais, arquétipos, são representados na forma de símbolos e imagens, e se associam a experiência individual do sujeito, indicando a direção a psique parece tomar, seja na resolução de conflitos ou na total ausência de consciência destes.

Interpretações a parte, durante o sono, há um momento em que a atividade psíquica imagética cessa, e entramos em um estado profundo, no qual o inconsciente e o consciente recuam, e apenas o subconsciente se mantém ativo.

Nesse nível não há formas ou imagens, pensamentos ou ações, apenas um grande vazio.

O yoganidrā seria como experimentar este estado de sono profundo, porém desperto, observando o vazio deixado quando os pensamento e impressões retrocedem para o local de onde emergiram.

O corpo se torna pesado, e a respiração tranquila, a sensação é de observar tudo isso com uma certa distância, como se o corpo dormisse e a mente ficasse acordada, mas também em estado de repouso.

Esse estado permite acesso ao nível subconsciente da mente, latente, que está por trás dos processos que se manifestam como hábitos, comportamentos, emoções e expressões.

transformação

Esse nível seria a porta da transformação, a entrada para a esfera causal da realidade, da qual emerge o plano sutil, psíquico, e astral, que por sua vez, dão origem ao nível denso.

No estado de yoganidrā, a mente está imóvel, tranquila, dispondo de uma incrível capacidade de discernimento, e exatamente por essa característica oferece uma nova perspectiva para se examinar crenças e sentimentos.

Observando a atividade psíquica em sua forma latente, não ativa, é mais fácil reconhecer padrões e hábitos mentais, identificar as impressões profundas que dão origem a essas ações habituais, e com isso, atuar sobre elas, eliminando-as ou atenuando-as.

Com isso, ao observar esses padrões com clareza e tranquilidade, a transformação pode acontecer, pois esses hábitos começam a perder a potência atribuída pelas emoções.

Através desse processo, é como se o programa que roda por trás da mente consciente estivesse sendo reprogramado, reorganizando nosso sistema de crenças e valores que orientam nossas ações.

O saṅkalpa atua exatamente nessa brecha deixada pela mente.

Quando entramos em estado de yoganidrā, com acesso a essa esfera subconsciente, estabelecemos uma construção mental, já previamente idealizada, sobre alguma mudança que gostaríamos de provocar na nossa personalidade, abandonando temas supérfluos e focando naquilo que é essencial.

Colocamos toda a nossa atenção e emoção nessa construção, criando uma frase curta e objetiva, sempre afirmativa, agregando visualizações que corroborem com ela, fortalecendo a imagem da transformação já acontecendo no presente.

A mente latente, encontra-se receptiva, e essa nova crença, digamos assim começa a ser incorporada, em detrimento de outras. E assim, a transformação tem lugar.

Mas como estabelecer um saṅkalpa? Primeiro devemos pensar em um aspecto da nossa personalidade que gostaríamos de transformar, mas que por vezes enfrentamos dificuldade ao tentar de maneira racional.

Descartamos aquilo que é supérfluoe focamos no essencial, por exemplo, se sou tímido e gostaria de me sentir mais à vontade e ter mais confiança, posso criar como saṅkalpa “estou confiante nas minhas ações e relações”, outro exemplo, quando fico agitado e raivoso, mentalizo “estou tranquilo”.

Imaginando sempre a frase no presente, como se ela já estivesse acontecendo, sentindo a emoção vinculada, e atribuindo imagens, situações nas quais você se mostra tranquilo ou confiante.

Para que o efeito do Sankalpa seja profundo, como deve ser, primeiro é preciso encontrar aquele espaço, aquela brecha na mente, na qual parecemos observar a nós mesmos “dormindo”.

A primeira vista, isso pode não parecer fácil de se conseguir, e isso é verdade, pois exige um certo treino e determinação para alcançar um estado de relaxamento, e ai conseguir adentrar nesse estado do yoganidrā, sem cair no sono real, por exemplo.

O primeiro passo é aprender a relaxar, e observar esse relaxamento, para em seguida ir abandonando essa posição, e observar-se de um novo ângulo.

Os pensamentos parecem atrapalhar, pois a todo momento não param de se manifestar de nos levar a todo canto. Mas a proposta não é opor-se a eles, como o famoso emblema de parar de pensar, e sim aprender a observar esses pensamentos, reconhecer que é possível escolher não seguir com eles, apenas permitir que da mesma forma como eles emergem, é possível que retornem ao local de onde saíram.

Reconhecendo que sou diferente dos meus pensamentos, e posso observá-los com uma certa distância.

Contudo, essa construção mental, também pode e deve ser lembrada ao longo do dia, principalmente ao despertar pela manhã, e ao deitar-se a noite, mas também pode ser colocada na porta da geladeira ou na parede do quarto, como um artificio para se lembrar constantemente daquilo que precisa ser conscientizado, transformado.

Nesse sentido, o saṅkalpa atua como uma ferramenta para a transformação psicológica, penetrando em esferas mais profundas da psique, que muitas vezes o processo psicoterapêutico através da linguagem dispenderia de muito mais tempo para alcançar.

Inclusive, como dito anteriormente, o saṅkalpa pode e idealmente deveria ser realizado todos os dias, para estabelecer e fortalecer esses novos “programas” mentais, enquanto a terapia acontece em um ou duas vezes por semana, na maioria dos casos.

Com isso, a cada dia nos proporciona a recordação de que somos nós que criamos a nossa própria realidade interior, quando vivemos de acordo com aquilo que pensamos e cultivamos internamente.

॥ हरिः ॐ ॥

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7 respostas para “O Saṅkalpa como Instrumento de Transformação”

  1. Obrigada, professor pelos ensinamentos.
    Excelente explicação de como estabelecer um Sankalpa.
    Grata
    Marli
    Namaste

  2. É impressionante como os textos certos chegam em nossas mãos nas horas certas.
    Ótimo texto, Marina! Vou aplicar seus ensinamentos a partir de hoje, agora! Gratidão!
    Namastê!

    1. Professor, a prática da criação e uso do snkalpa está nas escrituras do Yoga?

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