O Sol nasce e com o amanhecer, abrimos os olhos e acordamos para este novo dia. Mas, a verdade é que, muitas vezes, levantamos da cama, sem de fato haver despertado. Atravessamos o dia, muitas vezes apressados e tropeçando em prazos, responsabilidades e afazeres gerais. Na cama, deixamos deitada a oportunidade, dormente e latente, de trazer a atenção para a ação, ao invés, de viver no piloto automático e sonâmbulos pela vida.
A prática do surya namaskar, é muito mais do que uma simples seqüência de posturas que fluem num determinado ritmo, com uma determinada respiração. Ela nos desperta. Nos desperta os sentidos, a nossa consciência e o mais importante de tudo, nos integra com o momento presente. Acordamos de fato! O súrya abre o caminho para um dia, onde, o praticante, tem a oportunidade de se integrar com o ritmo da natureza e viver em estado de presença em cada ação. Despertos, não apenas acordados.
Ao nosso redor, temos a possibilidade de observar uma parte de nós naqueles com os quais convivemos. Em todas as nossas conexões, desde o âmbito familiar até um encontro ao acaso, nos deparamos, muitas vezes, com pessoas que por algum motivo (até em tão inexplicável) nos incomoda. Quantas vezes já não paramos e pensamos ‘não vou com a cara daquela pessoa’, ou ‘fulano me irrita’, ou pior, nos pegamos falando ou apontando alguma falha, atitude, gestos ou palavras que foram profeciadas pelo outro, e a julgamos.
Quando na verdade teríamos que deixar que o reflexo batesse no outro e voltasse para nós, como a imagem em um espelho. Utilizemos o ‘outro’ com se fosse um espelho, onde, olhamos para as nossas próprias projeções. O que nos incomodava no outro, na verdade, não é a pessoa, e sim, o que ela nos mostra em nós. Ao invés, então, de excluí-la de nosso círculo social, deveríamos mantê-la próxima, para aprendermos e resolver o que deve ser resolvido. A sincronia da vida faz com que isso aconteça o tempo todo. Como já disse o Dalai Lama, ‘que meu inimigo seja meu maior mestre’, pois é com este que irei aprender o que preciso. Quem te incomoda, deve ser seu maior mestre.
Portanto, ao invés de renegar e apontar para o defeito do outro, devemos virar o foco para nós mesmos e aprenda. Pois nada está fora, tudo está dentro de nós. Aquele que vive integrado e no momento presente, ao invés de fechar os olhos e dizer não para a pessoa e a oportunidade de aprendizado que está a sua frente, alimentando nossas equivocações, dirá SIM! Internamente, o nosso sankalpa, deveria ser: eu aceito esse desafio, e abraço esta parte equivocada de mim. ‘O que essa pessoa está me mostrando sobre mim que preciso trabalhar?’. Ao fazer isso, abrimos um espaço interno de transformação, onde acolhemos os nossos dramas pessoais, condicionamentos e vásanas, e, nessa tomada de consciência e integração com o momento, iniciamos um processo kármico, com a ação de inquisição sobre o próprio indivíduo e conteúdo mental, vista pelo outro, o nosso espelho, contendo o reflexo de nossas projeções.
Se aceitarmos isso, permitiremos a evolução e não estagnação. Deixaremos de culpar e julgar o outro, para sim, ter uma ação construtiva de aprendizado, que se vivenciada no momento mostrado, poderá ser um pequeno moksha; a libertação de um vásana, entre tantos. Despimos a máscara de identificação com as nossas equivocações, de diferentes nomes: medo, raiva, sofrimento, excitação, e percebemos que não somos isso. Como um querido professor disse em sua aula, nessa semana, quando vemos uma montanha, sabemos que não somos ela, pois estamos a observá-la; o mesmo acontece com o nosso corpo, as nossas emoções, pensamentos, etc. Se os podemos observar, isso quer dizer, que não somos isso.
Não somos corpo, nem pensamento, nem as projeções, nem o ego, somos algo que está por de trás de tudo isso, observando, a consciência testemunha do Ser, sakshi, sempre presente, imutável e atemporal; equânime. Vivendo de maneira presente e equânime, o yogi não se identifica com nada do exterior ou interior, pois sabe que é algo além de todas essas projeções, e em equanimidade, adquire o distanciamento necessário nas ações, para não responder mais a pessoa (o seu espelho) e sim para a ação em si. Melhorando assim todos os relacionamentos, pois, tem tempo para pensar baseado na compaixão e respeito ao próximo, e não mais, ao instinto egóico, baseado em uma projeção.
Caso contrário, continuaríamos no ciclo interminável de samsára, identificados com nossos dramas pessoas, sem saber, e criticando a todos, se esquecendo de você. Identificados com as nossas equivocações de nos mesmos, e, alimentando o hábito, condicionamento e nossas projeções, e sendo assim, a mesma situação continuará a nos ser apresentada, de novo e de novo e mais uma vez, e quantas vezes forem necessárias, até que você resolva levantar, abrir os olhos e despertar, com a coragem e curiosidade de um yogi e presença de espírito necessária para entender que não há separação quando vivemos no presente.
Tudo e todos somos uma parcela da Consciência Universal, Brahman, e por isso, o outro merece a nossa compaixão e respeito, afinal, eu, tu e eles, não estamos dissociados, e sim, interligados, pela mesma consciência e advindos da mesma fonte. Tudo é o Ser, basta deixarmos nossas equivocações na cama, para nos vestirmos de amor. Esta é a única coisa que nos mantém unidos, como parte do dharma, e torna esse Maha Lila, uma brincadeira de autoconhecimento e evolutiva, onde cada pessoa e cada ação pode ser um moksha, em busca pela libertação de todos.
Om shanti Om prema!
Ana Paula é yogini e professora em São Paulo: aninha_malagueta@hotmail.com.
A vida é a todo instante uma oportunidade de aprendizagem, hoje recebí uma resposta do infinito através de tí, Ana. Obrigado.
Maravilhosas palavras, Ana Paula! Ainda essa semana me peguei refletindo sobre isso, como a conduta do outro, principalmente aquela pela qual temos certa aversão indica o o que existe em nós e precisa ser trabalhado. E hoje abro o site e leio o seu texto como uma verdadeira prasáda aos meus questionamentos! Obrigada!