Ele é um yogi, ela uma yogini; mas, como vai a prática pessoal daqueles que se dedicam, ao ensino do Yoga? Será que alguns professores de Yoga estão transferindo a prática pessoal para os minutos reservados às aulas com os alunos praticantes? E isso é correto?
Hoje em dia, em meio à agitação do urbano, adicionada aos afazeres domésticos e outras atividades, é natural acontecer de alguns professores de Yoga somente praticarem durante as aulas que ministram. Porém, se isso vier a se tornar um hábito freqüente; está na hora desse yogi ou dessa yogini reorganizar os horários e achar aquele precioso tempo para dedicar exclusivamente à prática pessoal. Primeiro o mais importante, já diz a máxima.
Nos primórdios dos tempos, a prática pessoal do yogi se realizava junto à Natureza, na mata, banhado ao ar puro e em lugares com abundância de prana. Os ponteiros do relógio não controlavam o tempo daqueles que buscavam o saber e a libertação.
Nos dias atuais, para o yogi-professor, o tempo se mostra precioso, muitas vezes escasso; porém, mesmo nessa situação de falta de tempo, nada seria mais justo e inteligente do que passar a se comprometer com a valiosa prática pessoal, reservando alguns momentos pela manhã ou no fim da tarde para a execução de ásanas, seguidos por no mínimo mais dez ou 15 minutos dedicados à concentração e meditação.
No entanto, não existe a necessidade desse seu compromisso inicial ser diário; você pode se comprometer com a prática pessoal por duas ou três vezes na semana e depois, quando esse compromisso se tornar mais firme e cristalizado, os minutos podem ser esticados e quem sabe você até possa vir a incluir mais dias da semana com esses momentos especiais dedicados à prática. Basta começar, pois tudo é uma questão de hábito.
O hábito se constrói pouco a pouco com a execução daqueles ásanas que você mais gosta, para na seqüência, após uma invertida, relaxar o corpo, absorver o prana em respiratórios e seguir em direção à concentração e meditação. Uma boa dica é já deixar o tapetinho estendido, bem à vista; pois assim ele vai te lembrar que a prática o espera.
Você pode até se entusiasmar, dar o pontapé inicial em direção a esse novo propósito de verdadeiramente se dedicar à prática do Yoga alguns dias na semana; mas, de repente, ao chegar no fim daquela atribulada semana você nota que o compromisso com a prática pessoal não foi devidamente cumprido.Você deixou de praticar, de se dedicar ao Yoga naquela semana, naqueles minutos que reservou e, então, uma sensação de culpa aparece. O que fazer?
Não se preocupe, retome à prática pessoal quando puder, mas retome; mesmo que seja no dia seguinte, na semana seguinte. Comprometa-se de novo e siga em frente; porque em breve notará que esse compromisso se firmou e nada mais poderá lhe afastar desse seu valioso tempo dedicado ao crescimento como mumuksu.
Uma vez que o compromisso com a prática pessoal entrou nos eixos, agora, você poderá dar mais um passo e reservar mais alguns momentos ao estudo, à leitura de livros voltados à filosofia do Yoga, a aprimorar a visão do Vedanta ou do Ayurveda; mesmo que o tempo que passa assistindo TV ou na frente ao computador venha que ser reduzido (o que aliás, já seria algo ótimo).
Dedicar-se à transmissão da filosofia milenar àqueles que se iniciam ou já praticam por algum tempo denota muita perseverança por parte do professor, e deve ser considerado uma honra. Honra que se paga com a adequada dedicação à prática pessoal, ao estudo e à realização do propósito supremo do Yoga, que é a liberdade.
Preparo este, tanto no quesito ásana quanto na leitura de textos voltados à filosofia do Yoga, das escrituras e de outros temas ligados à prática que não podem ser relegados a terceiro plano ou esquecidos, pois contribuem para o autoconhecimento.
Yogi que é yogi pratica ásana regularmente, estuda, medita e, no dia-a-dia, procura aplicar todo o saber e conhecimento do Yoga na vida em sociedade com o fim precípuo de moksha, a libertação. Então, lembre-se da suma importância da prática pessoal e do estudo, pois sem eles o que seria de você como yogi/yogini e daqueles que praticam com você no papel de alunos? Harih Om!
Humberto é professor de Yoga em Campinas.
Mantém o excelente blog Yoga em Voga.
“Rafae” Você disse: “Tenho uma longa experiência prática com isso e sei perfeitamente: não há yoga na rua se não há yoga no seu cantinho, em casa, seja com uma prática completa que envolva asana, pranayama, etc, ou apenas a meditação silenciosa.”
Eu respondo: Não há yoga no cantinho se não tem yoga na rua. Envolver-se com um personagem que faz algo apra chegar em algum lugar só é válido na visão do iniciante. Não ha lugar para chegar, não ha caminho necessário.
É como se você me perguntasse: “o que eu preciso fazer para ser aquilo que eu já sou?” Veja que incoerência! Então quer dizer que é preciso reservar um tempo para fazer algo para Ser o Ser?
Voce pergunta: “E no nosso caso mais específico, que somos “instrutores de Yoga”, como poderemos corrigir uma postura, dar algum macete, se nós não conhecemos nosso próprio corpo? Como poderemos dizer se uma prática funciona ou não, se nós não a experimentamos?”
Eu respondo: Claro que sim, mas apenas no começo. As praticas são para os iniciantes incorporarem algo. Isso de alinhamento se aprende no curso de formação e depois de um tempo. Chega uma hora que fica tão natural que não é necessário. A consciencia corporal torna-se tão grande que so de ver voce ja conhece.
Você pergunta: “E como iremos acalmar nossa mente, se nem ao menos nos sentamos para isso?”
Eu respondo: Como você irá acalmar sua mente se você se identifica com aquele que faz? Om Shanti.
O Método vale apenas para o leigo que quer descobrir quem é, e mesmo assim isso é questionável. Métodos podem ajudar, mas não são indispensáveis (a nãos er que considere não ter um método um método em si).
Um barco serve para atravessar um rio, a partir daí ninguem precisa levar o barco nas costas. E não é algo muito distante a inacessivel, “atravessar o rio” é ver que voce nunca esteve no rio (ou que quem está no rio é o “eu observado”, que ainda não é você).
Caro Humberto.
Ótimo texto. Concordo contigo. Sou professor de Yoga há vários anos, e sei muito bem como é difícil ter uma “prática” conciliada à vida moderna que temos. Ainda mais eu, que tenho três filhos pequenos, trabalho além das aulas, e estudo. Sempre fui a favor do idealismo que “Yoga não é o que se faz no tapete, e sim aquilo que se faz na vida diária”.
Mas, imagine um comandante de exército, dizendo aos seus soldados “Não se preocupem em treinar aqui, o importante é como vocês lutarão lá na frente do inimigo!”. Tenho uma longa experiência prática com isso e sei perfeitamente: não há yoga na rua se não há yoga no seu cantinho, em casa, seja com uma prática completa que envolva asana, pranayama, etc, ou apenas a meditação silenciosa.
E no nosso caso mais específico, que somos “instrutores de Yoga”, como poderemos corrigir uma postura, dar algum macete, se nós não conhecemos nosso próprio corpo? Como poderemos dizer se uma prática funciona ou não, se nós não a experimentamos? E como iremos acalmar nossa mente, se nem ao menos nos sentamos para isso?
Humberto, sim, óbvio.
O seu artigo foi excelente, e eu mesmo dou muita validade a ele. Só quis expor uma opinião um pouco menos difundida, pois faz parte de um projeto meu viver em prol de divulgar este lado do yoga.
Quanto a formação, sim, pois se trata de uma relação profissional. É a parte do yoga que “vende” , a parte mais externa. Desculpe se pareceu uma critica, mas minha intenção foi apenas complementar com o lado de autoconhecimento.
Talvez eu não soube me expressar da forma mais sábia. Apesar da parte técnica com a qual os Nathas nos presentearam ser uma preparação, ela é muito diferente do que se faz hoje em dia também.
Meus estudos levaram a ver que alguns professores (sem citar nomes) que eram ginastas de Mallakhamb (preparação antiga do corpo para as guerras), o que originou uma prática bem diferente do que se encontra nos shastras e na grandiosa maioria das escolas de yoga, não fornecendo uma relação direta, e muito menos obrigatória, para o caminho da iluminação espiritual (Moksha).
Muito embora me dói ver que este objetivo passa bem distante dos objetivos da maioria dos praticantes de asana, que se esquecem de praticar Samadhi. E é justamente por culpa de alguns cursos de formação que ensinam asanas tão obsessivamente de forma a seus formandos darem aulas só disso (quando muito pranayama, yoganidra e meditação budista, que é diferente da proposta do Yoga Darshan).
No curso que eu dou de formação tem muito asana, mas tb tem uma pesada quantidade de shastras como poderá ver no meu BLOG. Fora isso repito aos meus formandos em tom de “lavagem cerebral” a importância de saber que “asanas acontecem dentro do yoga, mas apesar de serem ao mesmo tempo uma preparação apra o iniciante, um treino corpóreo para o Adhikari, a prática de yoga é a prática de samadhi” (como já enfatizava Vyasa em seu comentário aos Yogasutras).
E em nenhum shastra, e nem na minha prática pessoal ou dos professores de yoga meus alunos, constatei asanas levando ao samadhi, quanto mais a sua prática. Eu pratico, porque acho bom e porque me proporciona “saude e longevidade”. Só.
Eu ensino, porque um formato de aula sem asanas não é comercializável. Embora dou aulas separadas aos alunos sem nenhum asana. Mas é opcional. Creio que tornar-se melhor nos asanas é uma questão que envolve mais o lado comercial do que o lado espiritual. Mas considero importante sim.
Parabéns pelo artigo, amigo.
Swami Shivaraja http://www.shivarajayoga.blogspot.com
Shivaraja:
Como já disse em outro resposta a outro comentário “O texto visa principalmente oferecer um norte para aqueles que estão transferindo a prática pessoal para as aulas que ministram e que ainda precisam se reciclar.”
É bem válido alguns simpatizantes do Yoga acharem não ser necessário que a “prática de yoga” envolva ásanas; porém, para alguns outros ela se faz necessária para que, então, tudo flua e o estudante também se mostre mais comprometido ao estudo. Aliás seria fora do comum, por exemplo, qualquer curso para formação de professores abolir a prática de asanas de seu contexto e somente se dedicar ao estudo das escrituras, não é?
Humberto:
“reservando alguns momentos pela manhã ou no fim da tarde para a execução de ásanas, seguidos por no mínimo mais dez ou 15 minutos dedicados à concentração e meditação.”
Darei apenas a minha opinião. Não acho necessário a “prática de yoga” envolver asanas. Os shastras deixam bem claro que “prática de yoga = prática de samadhi.” Pelo menos meus estudos me levaram a concluir isso.
Também tenho a opinião de que nem sequer o tempo é necessário. Pois quando somos iludidos pelo fazer, do tipo “agora eu vou sentar a praticar”, pode apenas reforçar o ego. Na minha opinião, estar “linkado” com a Consciência de sua “Própria Natureza”, através da “supressão dos meios de espressão da mente”, como nos diria Patanjali, serve para Sermos durante o dia-a-dia, sem precisar retirar um tempo para isso.
Dou minha opnião sobre isso de forma mais extensa no link: http://satsangcomshivaraja.blogspot.com/2009/10/mudar-vs-observar.html Quem quiser ver… Só passei para deixar compartilhado minha opinião.
Abrações à todos.
Eis o resultado parcial de uma pesquisa realizada sobre o perfil dos praticantes de Yoga para conclusão do meu TCC, realizada num evento de grande porte. Segundo dados da pesquisa, 79% dos entrevistados eram instrutores. Abaixo seguem duas perguntas do questionário aplicado sobre a frequência da prática pessoal, e suas respectivas respostas.
1) Com que frequência mensal você faz sua prática com outros instrutores?
35% fazem aulas de 3 a 4 vezes por mês com outros instrutores,
26% nenhuma a duas vezes,
12% de 5 a 8 vezes,
9% de 9 a 12 vezes,
3% mais de 12 vezes e
15% nunca praticam com outros instrutores.
2) Com que frequência mensal você faz sua prática sozinho?
25% dos praticantes fazem suas práticas sozinhos mais de 12 vezes por mês,
24% somente uma ou duas vezes,
18% de 5 a 8 vezes,
15% de 9 a 12 vezes,
12% de 3 a 4 e
6% responderam nunca praticarem sem a presença de um instrutor.
Façam suas análises… Hari Om.
Ricardo,
Obrigado pelo comentário, que parece levemente ao postado no artigo “Ela trocou o Pilates pelo Yoga”. A prática de asanas, pranayamas, meditação e o estudo pessoal como a leitura de livros são muito importantes para aqueles que se dedicam a dar aulas de Yoga.
Claro que o contato direto com os ensinamentos de um sábio também é de suma importância, não podemos descartar isso e, ainda, melhor e mais proveitoso será se previamente lermos o texto ou livro através do qual o sábio irá nos trazer mais luz.
Se você parar agora, neste momento para analisar, verá que mesmo aquele que canta e toca algum instrumento, para que não desafine, deve também se dedicar, isto é , estudar e praticar o canto e a música para que a apresentação no palco seja maravilhosa, não é mesmo?
O texto visa principalmente oferecer um norte para aqueles que estão transferindo a prática pessoal para as aulas que ministram e que ainda precisam se reciclar. É isso aí. E boas práticas a você, seja quais forem.
Caro amigo Humberto.
Acho que o maior erro é achar que praticar yoga é igual a praticar asanas. Existem várias formas de ser um yogi e para ser yogi não é necessario praticar asanas. A Bhagavad Gita, na minha opinão o principal texto que fala sobre Yoga, Krishna em nenhum momento ensina a postura do heroi para Arjuna.
Não lembro de ver Krishna ensinando asanas ou pranayamas no campo de batalha para Arjuna. Se voce olhar para as upanishads, que são os primeiros textos que falam sobre Yoga, não são ensinados uma pratica de asanas ou pranayamas. Yoga não é uma pratica, Yoga é um estilo de vida para o auto conhecimento.
Lembro das sábias e bem-humoradas palavras de Swami Dayananda: \\\’Se a pessoa tiver uma inclinação natural pela atividade, ela irá identificar-se com e praticar o Yoga da ação desapegado ao fruto dos resultados das ações, Karma Yoga. Se ela for emotiva, poderá identificar-se com o Yoga devocional, Bhakti. Se tiver propensão a usar o intelecto, poderá praticar o Yoga da discriminação, Jñana Yoga. Porém, se ele não prestar para mais nada, irá escolher o Yoga físico, Hatha Yoga\\\’.
Lembro também um email que recebi da professora Gloria Arieira: “a prática de ásanas, pranayama etc pode ajudar a pessoa a ser menos extrovertida, a questionar seus objetivos, suas escolhas, suas reações. ao mesmo tempo em que é saudável, é um exercício com o corpo e a mente juntos, para a harmonia de corpo e mente.”
No geral as pessoas têm corpo e mente separados, não conseguem focar e nem têm clareza de seus objetivos de vida e algumas vezes não conseguem perseguir suas decisões. quando a pessoa já tem estas características, não precisa de Hatha Yoga [Yoga], pode fazer Hatha Yoga [Yoga] (com tudo que faz parte do Karma Yoga).
Consciente das limitações do Hatha Yoga, é bom ensiná-lo. Pensar que ele é tudo, e que vai levar à felicidade, é um grande engano. Sem dúvida nenhuma o principal é a dedicação ao estudo, o karma yoga e a vida meditativa.
Asanas, pranayamas e tecnicas de meditação de 15 minutos são secundarias e nem sempre necessarias. Estudar não é dedicar alguns minutos para a leitura de livros voltados a filosofia como voce coloca neste artigo, estudar é sentar e escutar as palavras da tradição através de um professor que aprendeu com outro professor dentro dessa tradição. Não é possível entender o Yoga somente através de livros, é preciso de um professor qualificado que segue a tradição para nos ensinar.
Grande abraço e tudo de bom!!!
Ricardo.
Gosto muito deste site. E o texto em particular veio direto ao que eu precisava ouvir, sentir. Obrigada. É um norte!
Humberto,
Seu texto é muito real e toca num assunto delicado, que é a realidade da prática pessoal. Eu, infelizmente, me vi retratada nas suas palavras, sendo uma professora e tendo pouco momentos de prática pessoal.
O texto tratou do assunto de maneira leve, despretesciosa, não levando à culpa nem procurando ditar regras. Parabéns! Tenho certeza que suas palavras vão incentivar vários professores a praticar, meditar e estudar mais!
Namastê.
Adriana
Humberto, Parabéns, gostei muito do texto, que nos lembra; que o yogi não apenas vive no Yoga, mas o Yoga também vive no yogi. Limerci.