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2012: mais um fim do mundo vem aí!

A palavra escatologia vem do grego e quer dizer, literalmente, “estudo do fim” (eschato significa último, extremo). Curiosamente, t ambém é usada na medicina como sinônimo da coprologia, o ramo que estuda os excrementos.

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Quando eu tinha seis anos de idade, meu vizinho, um ano mais velho, freqüentava aulas de catequese. Um dia, ele voltou da igreja falando que o mundo iria acabar brevemente, e que uma gigantesca bola de fogo vinda desde a avenida, iria se encontrar bem na porta da casa dele com uma outra bola de água que chegaria desde a esquina oposta.

Na sua inocência, e atiçado por algum imaginativo instrutor religioso, meu vizinho não imaginava o fim do mundo de outra maneira. Como obviamente, o umbigo do mundo era a casa dele, o ponto de encontro do fogo e a água somente poderia ser lá. Esse apocalipse cristão ainda não aconteceu. Talvez ele continue esperando até agora…

Porém, há outros fins de mundo que estão sendo anunciados, cada um deles como verdadeiro e definitivo. Por algum motivo, depois de dúzias e dúzias de anúncios do fim do mundo, promulgados por mórmons, testemunhas de Jeová e outros fundamentalistas de diversas religiões e seitas exóticas, o ser humano continua acreditando no fim dos tempos. Agora, falam-nos numa certa profecia maia que anuncia a mais nova e, presumivelmente desta vez, definitiva, data para o fim do mundo: 21 de dezembro de 2012.

O desespero por encontrar um sentido para as coisas, aliado à importância exagerada que a Humanidade dá a si mesma, está levando muita gente a acreditar nesse novo conto do vigário. O autor dessa invencionice é um espertinho belga chamado Patrick Geryl, autor de vários livros sobre o tema, organizador e principal acionista do condomínio de luxo dos sobreviventes descrito abaixo.

Perguntem aos maias.

Profecia maia? Onde está escrito que os maias falaram sobre o fim do mundo? O autor Carl Sagan já disse sobre este tipo de alarmismo: “Afirmações ou conclusões extraordinárias requerem evidências extraordinárias”. Onde estão, neste caso, as evidências extraordinárias?

Os códices maias não dizem nada a respeito. As grandes obras literárias desta bela cultura, como o Chilam Balam ou o Popolvuh (que tive o privilégio de conhecer através do grande especialista Dr. Carlos López, PhD, nos meus dias de estudante), tampouco mencionam o fim do mundo, ou o despertar de uma nova consciência, ou coisa que o valha.

Os maias, como grandes conhecedores de astronomia, eram capazes de prever eclipses e tinham um calendário muito preciso, no qual registravam eventos sociais e religiosos, vinculados ao cultivo e à produção da terra. Porém, não há nada nos registros dessa grande cultura pré-colombiana que fale sobre o futuro da Humanidade ou sobre escatologia.

A palavra escatologia vem do grego e quer dizer, literalmente, “fim do mundo” (eschato significa último, extremo). Curiosamente, também é usada na medicina como sinônimo da coprologia, o ramo que estuda os excrementos. O Dicionário Houaiss diz sobre este termo: “1. doutrina das coisas que devem acontecer no fim dos tempos, no fim do mundo. 1.1 Rubrica: teologia. Doutrina que trata do destino final do homem e do mundo; pode apresentar-se em discurso profético ou em contexto apocalíptico”.

As “previsões”.

Segundo os catastrofistas, haverá enormes terremotos, erupções vulcânicas e tsunamis em todos os mares, prédios, pontes e represas irão ruir espontaneamente, haverá epidemias globais, o “planeta” Nibiru irá colidir com a Terra, que aliás vai parar de rotar e sofrer uma mudança de eixo, o campo magnético do planeta sofrerá uma reversão, uma nuvem de poeira vulcânica vai tampar o Sol por 40 anos, a América do Norte (sempre ela) será varrida do mapa por uma tsunami de mais de 2000 metros de altura (!), mas somente depois de todos os reatores nucleares explodirem em uníssono. Resta saber como se diz reator nuclear em língua maia.

Esta coleção de disparates está ainda associada a uma longa série de superstições e crenças, baseadas em interpretações questionáveis dos mitos maias, em “evidências” descobertas por astrônomos amadores e “revelações” feitas por seres extraterrestres. Pseudociência pura, com um inegável pedigree New Age. A própria ideia de apocalipse, ou fim do mundo, é algo totalmente alheio à cultura maia que, como dizemos acima, nunca deu a menor importância a profecias desse tipo.

Pelo menos, as outras versões do fim do mundo promovidas no passado por cristãos, tinham a elegância de oferecer um Julgamento Final e a esperança da salvação para aqueles que tivessem fé, e não tivessem cometido algum pecado mortal. Estes pagãos, não obstante, oferecem salvação apenas aos pagantes, como veremos logo mais. Você não precisa ter nenhuma virtude, nem os chakras harmonizados, nem ser um bom cidadão: apenas precisa de uma boa quantia de euros para salvar a sua pele.

Os “eleitos” e seu paraíso.

Se é mesmo o fim do mundo, deveria ser para todos. Porém, neste caso como não poderia deixar de ser, em se tratando de um fim do mundo como Deus manda, um grupo muito especial de escolhidos irá se salvar. E você pode ser um deles! É só comprar uma vivenda na Sierra Nevada, no sul da Espanha, numa caríssima estação de esqui.

Estes organizadores do fim do mundo não são bobos nem nada: eles querem garantir para si mesmos (são apenas 5.000 “escolhidos”), umas belas vagas no paraíso terrenal dessa serra, que é um destino turístico muito popular entre os ibéricos para desfrutar de esportes de inverno. Lá, estão construindo presentemente refúgios de concreto e acumulando comida enlatada para sobreviver ao cataclisma.

Os valores cobrados dos candidatos a sobreviventes são os seguintes: adultos, até 60 anos de idade pagam 50.000,00 euros. Aposentados, acima dessa idade, ao invés de ganhar um desconto, terão que pagar 75.000,00 euros se quiserem se juntar aos eleitos. Crianças e jovens pagam algo entre 6.000,00 e 30.000,00 euros, dependendo da idade. Você pode fazer a conta de quanto custaria salvar a sua família, multiplicando esses valores pelo número de parentes que gostaria de salvar para viver nestas belíssimas residências-cogumelo da foto abaixo.

O organizador do esquema pede que não sejam solicitados descontos, para “não colocar em risco a viabilidade do projeto”. A pergunta que cabe aqui é: que vai ser feito com esse dinheiro, uma vez que o fim do mundo tiver acontecido?

Se as cidades serão varridas do mapa, e juntamente com elas o sistema bancário, qual será o valor desse dindin? Será que eles vão investir numa grande videoteca de filmes de cinema-catástrofe e ficção cientifica para passar agradavelmente o tempo, depois que o tempo acabar?

Em todo caso, se o fim do mundo acontecer, o dono da ideia está com o futuro garantido. E, se não vier, mesmo assim será o mais novo bilionário do pedaço, com incríveis 250.000.000,00 euros arrecadados sem ter trabalhado!

Esse esqueminha, tenho certeza, irá fazer corar de inveja um senhor chamado José Sarney, que já está esgotado de tanto roubar o Erário, e ainda não chegou nem perto dessa quantia.

Este golpe, por outro lado, lembra bastante a venda de indulgências papais, promovida pelo Vaticano na Idade Média, e sua versão moderna, a venda de terrenos no Paraíso, proposta pelo “Bispo” Macedo e seus asseclas. Só muda a coleira; o cachorro é o mesmo.

Vejamos, pelo menos, o lado bom das coisas…

Se você não tiver dinheiro para comprar um terreno no paraíso dos sobreviventes, nem tudo está perdido: poderá se consolar adquirindo no website dos catastrofistas um belo pacote de três cuecas Calvin Klein por meras cinco libras esterlinas. Todos sabemos das assombrosas propriedades destas cuecas para neutralizar os efeitos nocivos da radiação atômica e seu poder de flutuação para nos levar para longe das perigosas tsunamis.

A grande vantagem deste panorama de fim do mundo para 2012 é que os políticos do Rio não precisam acabar com a violência endêmica nos morros da cidade antes das Olimpíadas de 2016 que, obviamente, não irão acontecer. Há, ainda outras vantagens bem razoáveis: não precisaremos mais pagar as contas.

Não precisaremos mais trabalhar como mesários nas eleições enquanto nossos amigos desfrutam da praia no dia das votações. Não precisaremos suportar os próximos escândalos da corrupção dos nossos ilustres políticos. Não precisaremos comprar presentes para o Natal de 2012. Não precisaremos nos preocupar com o futuro, pois não haverá futuro!

Mas, e se o mundo não acabar, de novo? Ainda lembro da cara de frustração de alguns apocalípticos quando acordaram no primeiro dia de janeiro do ano 2001 e constataram que o mundo não tinha acabado. 2012, lá vamos nós! A gente se fala em 22 de dezembro de 2012, se a “profecia” estiver errada, claro!

Conclusão.

Brincadeiras e ironias aparte, é preciso mantermos o bom-senso ligado, pois às vezes, com muita naturalidade e demasiada pressa, incorporamos ao Yoga coisas que são totalmente alheias a ele, como é o caso destas superstições, que beneficiam alguns espertinhos de plantão e podem frustrar e produzir imenso sofrimento desnecessário para muita gente. Se essas pessoas têm o direito de divulgar essas crenças disparatadas, nós temos o direito de não acreditar nelas. Namaste e obrigado por ler este texto.

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Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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11 respostas para “2012: mais um fim do mundo vem aí!”

  1. Por essas e outras que vou estudar com você! rsrsrsrsrsrsrs!
    Estou rindo até agora! Obrigado! Vou mandar para meus contatos.

  2. O primeiro comentário responsável que leio sobre este assunto, afinal só vemos nas notícias o que realmente vai impressionar que são estas previsões. Sabe que chego até ficar muuito impressionada! Mas estou procurando ver o lado da razão, ler este tipo de comentário, afinal para vencer os medos e as pré-ocupações, como diz o livro ” O futuro da Humanidade” de Augusto Cury, um bom filósofo ou louco deve sempre duvidar!!!
    Namaste!

  3. Pedro Parabéns pelo texto!
    Compartilho a letra de uma música (já um pouco velha, cantada por Carmem Miranda) de alguém que já passou por esse engodo e que precisou fazer samba (risos):
    Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar Por causa disso a minha gente lá de casa começou a rezar E até disseram que o sol ia nascer antes da madrugada Por causa disso nessa noite lá no morro não se fez batucada Acreditei nessa conversa mole Pensei que o mundo ia se acabar E fui tratando de me despedir E sem demora fui tratando de aproveitar Beijei na boca de quem não devia Peguei na mão de quem não conhecia Dancei um samba em traje de maiô E o tal do mundo não se acabou Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar Por causa disso a minha gente lá de casa começou a rezar E até disseram que o sol ia nascer antes da madrugada Por causa disso nessa noite lá no morro não se fez batucada Chamei um gajo com quem não me dava E perdoei a sua ingratidão E festejando o acontecimento Gastei com ele mais de quinhentão Agora eu soube que o gajo anda Dizendo coisa que não se passou Ih, vai ter barulho e vai ter confusão Porque o mundo não se acabou Anunciaram e garantiram que o mundo ia se acabar Por causa disso a minha gente lá de casa começou a rezar E até disseram que o sol ia nascer antes da madrugada Por causa disso nessa noite lá no morro nem se fez batucada

  4. A-d-o-r-e-i- Alguns amigos e conhecidos sempre me perguntam o que penso a respeito dessas”profecias”. E eu sempre digo a mesma coisa: Feche os olhos, olhe para dentro de voce. A resposta está lá. Apenas confie. Sempre haverá um amanhã. Não se deixe impressionar. Vibre positivamente. Ame simplesmente. Confesso que algumas pessoas ficam um tanto quanto decepcionadas com a resposta, outras um tanto surpresas. Mas a vida é assim não podemos agradar a todos. Namastê!

  5. Valeu Pedro!
    Adoro sua profundidade de visão e capacidade de colocar em palavras suas idéias.
    Um abração.

  6. A-M-E-I.
    Obrigada mais uma vez pelos insights…
    ___/|\\\\___
    Namaste.

  7. Pedro,
    É sempre um grande prazer ler os seus textos. São discernimento e lucidez puros. Sobre o assunto em questão: viver o aqui e agora, é sempre o melhor caminho.
    Um abraço.
    Andrea.

  8. Lembro-me quando li o livro do fulano citado no início do texto. Fiquei tonta com tantos números, mas consegui cavar duas contradições levando em conta a lógica do tal senhor.
    Procurei então entrar em contato com ele via e-mail e expus meu ponto de vista com perguntas que acredito ser pertinentes, e como ele fala de forma aparentemente altruísta sobre como ajudar “quem quiser se salvar”, sem deixar escapar interesses escusos com ganhos monetários, perguntei-lhe também o que ele estava fazendo de concreto para ajudar, nesse sentido.
    Bom se foi ele mesmo quem respondeu, não sei, mas ele disse que não estava fazendo nada porque não tinha divisas monetárias suficientes para isso, uma vez que o livro ainda não era um sucesso de vendas como eu havia mencionado.
    Nem citou as perguntas feitas sobre o livro. Bom, se restava alguma duvida sobre a picaretagem desse tipo de “literatura”, agora não temos mais nenhuma. Foi muito bom você ter mencionado o tema, pois há muita gente de boa fé se exasperando com o tal fim sem conseguir raciocinar e que não consegue ver a ma-fé desse tipo sem classificação válida na espécie humana.
    Saúde a todos.

  9. Se não há solução para os problemas que afligem o planeta, nada melhor do que explodir tudo.
    Fina ironia final!
    Abraços!
    Ciro.

  10. Pedro,
    Temos que escolher um pico bom para surfar estas Tsunamis no dia 21 de dezembro de 2012!
    Será que vai ser no Mariscal ou aqui no Arpoador?
    Qual será o tamanho da prancha? Jet-ski…será?
    Vamos agitar! Falta pouco!
    Abraçossssssssssssss!

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