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Kāma Mūta: Somos Movidos pelo Amor

Kāma mūta é uma emoção que todos sentimos e conhecemos bem, ainda que não tenhamos uma palavra específica na nossa língua para referir-nos a ela. É um forte sentimento de amor, empatia ou união com alguém (uma pessoa, família ou grupo), ou ainda com a natureza, o universo inteiro, ou ainda, um filhote de animal.

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kāma muta

Há um mantra muito curioso no Ṛgveda (X:10.11), que fala sobre o kāma mūta. Kāma mūta é sentir-se súbita e profundamente comovido, motivado, atraído ou impelido por amor, compaixão ou vontade. O mantra onde aparece este termo por primeira vez é o seguinte:

किंभ्रातासद्यदनाथंभवातिकिमुस्वसायन्निॠतिर्निगच्छात्।
काममूताबह्वेतद्रपामितन्वामेतन्वंसंपिपृग्धि॥
kim bhrātāsadyadanātham bhavāti kimu svasā yannirṛtirnigacchāt |
kāmamūtā bahvetadrapāmi tanvā me tanvaṃ sam pipṛgdhi ||

Aqui, a jovem Yami declara sua comoção e amor por Yama: 

“É um irmão cuja irmã não tem companheiro?
Será ela uma irmã de cujo irmão o infortúnio se aproxima?
Movida pelo amor, faço fervorosamente este pedido:
una a sua pessoa com a minha.”

O que é kāma mūta?

No contexto desse mantra do Ṛgveda, kāma mūta significa desejo, amor ou atração. Mas a emoção kāma mūta também tem outras nuanças e significados que vão bastante além da atração ou do desejo sensual.

Kāma mūta é uma emoção que todos sentimos e conhecemos bem, ainda que não tenhamos uma palavra específica na nossa língua para referir-nos a ela. 

É um forte sentimento de amor, empatia ou união com alguém (uma pessoa, família ou grupo), ou ainda com a natureza, o universo inteiro, ou ainda, um filhote de animal. 

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Quando o kāma mūta é leve, sente-se como uma vibração aconchegante no coração. Quando é mais intenso, manifesta-se como uma sensação de calor no peito, lágrimas, arrepios, um nó na garganta, dificuldade para falar, respiração alterada, leveza, compaixão ou empatia. 

Esses sentimentos podem motivar um abraço ou uma chamada espontânea para alguém querido para dizer “te amo”. Embora o kāma mūta ocorra às vezes em situações tristes, é uma emoção altamente desejável, pois nos permite sentir-nos a conexão com as pessoas, a natureza ou a criação. 

Como o kāma mūta chegou na psicologia ocidental?

Desde os anos 1890 acontece, de maneira continuada, uma discussão académica sobre a existência e a importância da experiência emocional frequentemente descrita em português como “estar comovido, emocionado ou enternecido”. 

A teoria subjacente na escolha do nome sânscrito kāma mūta é a resultante de uma investigação sistemática sobre essa experiência já no presente século, influenciada em grande parte pelo trabalho de Alan Fiske, professor estadunidense de antropologia na Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Ele é conhecido por estudar a natureza dos relacionamentos humanos e as variações que podem ser identificadas de cultura para cultura.

O nome científico kāma mūta foi escolhido para ajudar a identificar e descrever essa mesma emoção ao transitarmos entre diferentes sociedades, culturas e línguas. Assim o termo passou a ser utilizado para unificar essa experiência, que possui diferentes nomes em diferentes culturas. Por exemplo, um lusófono diz que se sente comovido ou emocionado, um falante de mandarim que diz que se sente gǎndòng , já um norueguês dirá se sente rørt. Esses são exemplos da universalidade da emoção chamada kāma mūta

Qual é a função do kāma mūta?

Quando pensamos na ordem psicológica humana e na maneira em que a mãe natureza nos dotou dessas complexas emoções, não podemos deixar de maravilhar-nos diante da sabedoria inata que percebemos na criação. 

Considera-se que o kāma mūta, que está presente em todas as sociedades e culturas, tenha a função evolutiva de facilitar a devoção, o compromisso e as ligações afetivas e emocionais necessárias para a coesão social, para que possamos existir como os seres gregários que somos. 

O kāma mūta está baseado em dois pressupostos: 

1) Essa emoção, assim como tantas outras, é facilitada pelo nosso sentir interior, que por sua vez foi moldado pela própria evolução da vida e é, portanto, universal e comum a todos os humanos;

2) Essas experiências emocionais podem ser identificadas e medidas através de mudanças no nosso sentir subjetivo (sensação de pertencimento, unidade, identificação ou empatia) e  alterações mensuráveis na fisiologia (lágrimas, aceleração do batimento cardíaco, arrepios ou alteração do ritmo respiratório).

Quando sentimos kāma mūta?

Sentimos kāma mūta diante dos nossos amados, ou por saudades deles, ou diante da beleza das artes ou da magnificência da criação. Porém, guerras e injustiças podem igualmente provocar este sentimento. 

O príncipe Arjuna, protagonista do épico Mahabhārata, à beira do campo de batalha de Kurukṣetra a chorar de compaixão pelas pessoas que irá combater, é um exemplo claro de kāma mūta.

Você experiencia kāma mūta quando abraça seu bebê por primeira vez, ou quando sente profunda empatia por alguém que sofreu coisas que você também experienciou. 

Chorar por comoção, compaixão ou amor é bem diferente de chorarmos por estarmos tristes. Portanto, lágrimas não sempre são sinal de angústia ou sofrimento.

A língua sânscrita é incrivelmente sofisticada, pois tem palavras para expressar sentimentos que não existem em muitas outras línguas. Kāma mūta, a comoção por amor, compaixão ou empatia, é um desses muitos exemplos. 

Se quiser conhecer outras palavras que definem da maneira única coisas que você certamente também sentiu e conhece, recomendamos a leitura deste artigo sobre o Código de Valores de Kṛṣṇa, onde encontrará outras palavras igualmente lindas, que descrevem da forma magistral as delicadas nuanças dos sentimentos humanos.

Boas leituras e reflexões.

॥ हरिः ॐ ॥ 

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Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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Pedro Kupfer em Conheça, Sociedade
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Uma resposta para “Kāma Mūta: Somos Movidos pelo Amor”

  1. किंभ्रातासद्यदनाथंभवातिकिमुस्वसायन्निॠतिर्निगच्छात्।
    काममूताबह्वेतद्रपामितन्वामेतन्वंसंपिपृग्धि॥
    kim bhrātāsadyadanātham bhavāti kimu svasā yannirṛtirnigacchāt |
    kāmamūtā bahvetadrapāmi tanvā me tanvaṃ sam pipṛgdhi ||
    Muito bom este artigo, o mantra acima só faz refletir o quanto o amor pela vida própria e pela vida da Natureza dos Deuses e dos nossos seres humanos precisam de empatia e compaixão para uma consci~encia elevada, segundo Sr. Aurobindo a Paz só será quando todos forem abençoados ao mesmo tempo.

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