Mohinī é, na mitologia hindu, o único avatar feminino, a única forma de Viṣṇu como mulher. É descrita como uma mulher encantadora e de extraordinária beleza, que seduz e paralisa os seus admiradores.
A história de Mohinī é contada no Mahabhārata, o grande épico do hinduísmo. Nessa historia, Viṣṇu assume a forma de Mohinī para resgatar o pote do licor da imortalidade, que tinha sido roubado pelos demônios e devolve-lo para os deuses, para que estes pudessem preservar a sua imortalidade.
O nome Mohinī deriva da raiz verbal moha, que significa “encantar, confundir, iludir”. Literalmente, quer dizer “ilusão personificada.” O nome também inclui uma conotação de essência da feminilidade e o encanto da mulher. Mohinī é, portanto, a encantadora.
Bhasmāsura
Há um episódio engraçado no ciclo de mitos de Mohinī: havia uma vez um demônio chamado Bhasmāsura, que tinha o poder de transformar em cinzas qualquer coisa ou pessoa que tocasse. Esse demônio perseguia Śiva, pois queria destruí-lo.
Para salvar Śiva, Viṣṇu assume a forma de Mohinī e dança diante do demônio. Na dança, o convida para imitar seus movimentos. Bhasmāsura é seduzido e começa a fazer o que Mohinī faz.
Num momento, ela toca a própria cabeça com a mão direita. O demônio faz o mesmo movimento, e torna-ze cinzas imediatamente. Assim, Mohinī livra o mundo do perigo que este demônio representava.
O Amṛta
Na continuação da narração do mito conhecido como samudra mantham, o licor da imortalidade, amṛta, foi resgatado do fundo do oceano das águas causais por deuses e demônios.
Esse néctar da imortalidade é o símbolo do valor inestimável do autoconhecimento. Outro termo sânscrito que aparece nos Vedas para designar a essência da imortalidade é soma.
Imortalidade é uma palavra que aparece muito nos śāstras, nos antigos textos que revelam o Yoga, e é usada para apontar para a meta do Yoga. Amṛta é o autoconhecimento, é a libertação dos condicionamentos, é conhecer a nossa real identidade.
Quando devas e asauras (deuses e demônios), conseguem obter o amṛta,começam imediatamente a disputar entre si para definir quem beberia primeiro. A amarga disputa derivou rapidamente numa guerra sem quartel.
No conflito, os asuras conseguiram roubar o amṛta, o que naturalmente aumentou ainda mais a ira dos deuses. Enquanto os asuras celebravam a vitória, os devas foram pedir ajuda a Viṣṇu, o preservador da criação.
A situação era muito delicada e não poderia ser resolvida pela força, pois a ânfora onde o amṛta estava contido poderia quebrar facilmente.
Viṣṇu assume então a forma de uma belíssima mulher, chamada Mohinī, que usou o seu encanto para seduzir os demônios a entregar a frágil anfora do licor da imortalidade. Sua beleza é arrebatadora. Sua pele brilha como a lua cheia. Ela exala um perfume inebriante.
Mohinī dança para os demônios , os seduz com seus gestos, canto e movimento. Eles ficam como hipnotizados, boquiabertos, sem esboçar qualquer reação diante de tanta beleza. O sorriso da deusa é cativante.
Num movimento na dança, Mohinī colhe a ânfora com o licor da imortalidade e, sem parar de dançar, o leva para os deuses. Os asuras, sem reação, não conseguem evitar isso. Os deuses apressam-se para beber o amṛta.
Rahu e Ketu
Nisso, um demônio-serpente chamado Rahuketu que não estava assim tão distraído pela dança de Mohinī, assumindo a forma de um deus, consegue beber um gole do licor.
Sūrya e Candra, o sol e a lua, com seu brilho, conseguem enxergar através do disfarce de Rahuketu.
Eles avisam Viṣṇu, que imediatamente decapita o demônio com o sudarśana cakra, o seu disco de arremessar. Esse disco, como todas as armas e atributos dos deuses, representa o discernimento, a capacidade de separar, de distinguir o certo do errado.
Quando o demônio é decapitado, a sua cabeça torna-se imortal e fica pairando no espaco sideral. Rahu é o nódulo lunar ascendente, um corpo celeste invisível, criador dos eclipes e senhor dos meteoritos.
A cauda da serpente, conhecida a partir desse momento como Ketu, sai também voando pelo céu, formando o nódulo lunar descendente.
Os nódulos lunares são os dois pontos nos quais a órbita da lua intersecta a elipse do sol, ou o movimento aparente deste em volta da terra. É nesses dois pontos que acontecem os eclipses.
Rahu representa a ascensão da lua na sua órbita precessional ao redor da terra. À precessão é um movimento vagaroso do eixo de rotação de um corpo celeste resultante da influência exercida sobre ele por um ou mais astros.
Ketu representa o movimento descendente da lua na sua órbita em volta da Terra.
Na antiga ciência astronômica hindu, jyotiśa, o mito da serpente decapitada é usado para explicar às pessoas esses movimentos dos corpos celestes e os fenômenos que surgem desses movimentos. Assim, Rahu causa os eclipses solares e Ketu os lunares.
Rahu e Ketu têm um ciclo orbital de 18 anos e estão sempre a 180 graus de distância um do outro. Isso coincide com a órbita precessional da lua, ou o ciclo rotacional de 18 anos dos nódulos ascendente e descendente da terra no plano eclíptico.
Também corresponde ao saros, um período de aproximadamente 223 meses sinódicos, o que corresponde a 18,61 anos (ou 18 anos mais 11 dias e 8 horas), que pode ser usado para prever eclipses, tanto lunares como solares.
Interessantemente, em alguns textos medievais do Ocidente, esses nódulos lunares são referidos respectivamente como caput draconis (a cabeça do dragão) e cauda draconis (a cauda do dragão).
O Valor de Mohinī
Quando os deuses conseguem, finalmente, beber o amṛta, eles restauram as suas forças e ganham os seus poderes. Esses poderes e a própria imortalidade dos deuses havia sido perdida por causa de uma maldição do sábio Durvasa, que foi ofendido por Indra, o rei dos deuses.
Com as forças restauradas, os deuses derrotam definitivamente os asuras e os enviam de volta para o paṭalaloka, o mundo subterrâneo onde estes residem.
Dessa maneira, o equilíbrio do universo é restaurado. Viṣṇu, na forma de Mohinī, salva o mundo do terrível risco que representaria para a criação caso os demônios tivessem tido acesso ao licor da imortalidade.
॥ हरिः ॐ ॥
Veja o início da história do Bater do Oceano aqui:
Śiva Nīlakaṇṭha bebe o Veneno do Mundo.
Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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