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O Simbolismo da Serpente no Yoga

Na tradição do Yoga tántrico, a serpente enroscada kuṇḍalinī simboliza o potencial de iluminação e liberdade e ao mesmo tempo a força que possibilita a realização desse processo. Nesse sentido, a serpente é símbolo de poder, pois consegue andar apesar da ausência de pernas. 

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As serpentes são um os mais antigos símbolos mitológicos da humanidade. Em algumas culturas elas são símbolo de sabedoria, fertilidade, cura, renovação da vida ou imortalidade, enquanto que noutras sua reputação não é das melhores. 

Medo das Serpentes

A antropóloga e primatologista estadunidense Lynne Isbell explica que a serpente é um poderoso símbolo da morte para nós, primatas. Essa imagem é construída no nosso inconsciente por causa da história evolutiva. 

Isbell argumenta que, ao longo de milhões de anos, as cobras foram os predadores mais importantes dos primatas, e que isso explica por que o medo delas é uma das fobias mais comuns em todo o mundo. 

Isso também revela por que o símbolo da serpente é tão ubíquo na mitologia: ela é, muitas vezes, uma imagem assustadora de perigo e risco de morte. Porém, justamente por esse motivo, é também um símbolo de iniciação e renascimento.

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O Antigo Testamento, por exemplo, identifica o diabo com a serpente do Paraíso que seduziu Eva a provar o fruto da Árvore do Conhecimento. Assim, a corrupção da humanidade e a expulsão de Adão e Eva do Jardim do Éden está vinculada à perfídia dessa serpente satânica. 

Diferentemente da má fama que as serpentes têm na tradição bíblica, na Índia, e especificamente na tradição do Yoga, elas são e sempre foram amadas e veneradas. 

Nas Purāṇas, antigos textos que narram os mitos genésicos, bem como as histórias de reis, sábios e yogis, Anantaseśa ou Seśnāga, a serpente infinita, serve como suporte e apoio para Viṣṇu, o Deus da Preservação, enquanto ele sustenta o universo durante o yoganidrā ou sono cósmico. 

A Serpente como Símbolo de Sabedoria

Os deuses Śiva e Ganeśa aparecem igualmente rodeados de serpentes nāga (najas), que representam a conquista psicológica do subconsciente e do inconsciente. 

Nos grandes épicos Mahabhārata e Rāmāyāṇa, nāgas e nāginīs (formas masculinas e femininas das serpentes semidivinas) são seres esplêndidos e poderosos, grandes aliados dos humanos. Os espíritos serpentinos são igualmente chamados vidyādhāras, ou guardiões do conhecimento.

Já o sábio Patañjali é representado como tendo corpo humano na parte superior e de serpente na inferior. O Patañjali Dhyāna Śloka, “Versos de Meditação sobre Patañjali”, diz na segunda estrofe: ābāhupuruṣākaraṁ śaṅkhacakrāsi dhāriṇam sahasra śīrasaṁ śvetaṁ pranamami patañjaliṁ

Traduzindo: “forma humana até os braços, que seguram a concha [que representa a palavra], o disco e a espada [do discernimento], protegido pela serpente de mil cabeças brancas, Anantaseśa. A minha saudação (pranam) a Patañjali”.

Fertilidade e Renascimento

Historicamente, as serpentes simbolizam a força criativa da vida, a renovação e a fertilidade. Igualmente, quando as cobras trocam de pele, apontam para o renascimento e a renovação. A partir dessa associação com a fertilidade surge da mesma maneira a identificação da imagem da serpente com a própria sexualidade e o erotismo. 

Nesse sentido, a serpente cósmica Ouroboros, que morde a sua própria cauda e cujo corpo forma um círculo, representa o ilimitado, bem como a renovação, o eterno retorno e a continuidade da vida ao longo dos ciclos do tempo e das gerações. 

Liberdade e Iluminação 

Na tradição do Yoga tántrico, a serpente enroscada kuṇḍalinī simboliza o potencial de iluminação e liberdade e ao mesmo tempo a força que possibilita a realização desse processo. Nesse sentido, a serpente é símbolo de poder, pois consegue andar apesar da ausência de pernas. 

Outro aspecto do simbolismo da serpente aponta para a iluminação (mokṣa ou nirvāṇa) pois, sendo seres aquáticos, chegam onde os humanos não conseguimos chegar. Elas são igualmente consideradas as senhoras do inconsciente pois, segundo a narração dos antigos mitos da Índia, vivem nas profundezas da terra ou das águas. 

O símbolo da serpente kuṇḍalinī não está presente apenas no Yoga tántrico mas também no budismo: o Buda é protegido por uma naja gigantesca enquanto pratica meditação. Dessa maneira, o iluminado, em nirvāṇa, conquista e supera seus condicionamentos e medos. 

॥ हरिः ॐ ॥

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Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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