Cakras e Kośas, Conheça

Os 3 Corpos do Ser Humano

Segundo o Yoga, o humano está constituído por três corpos superpostos bem diferenciados e que interagem constantemente: o corpo físico, o sutil e o causal.

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A perspectiva yogika afirma que a individualidade humana vá muito além da dimensão material do corpo físico. O Tantra e o Vedānta coincidem com o Yoga nessa visão.

Segundo ela, o ser humano está constituído por três corpos superpostos diferentes, que interagem constantemente entre si: o físico, o sutil e o causal.

Os três corpos

Esses três corpos, chamados conjuntamente śarīratraya ou “corpo tríplice” ou trikaya, “três corpos”, funcionam como veículos para a manifestação do Ser, Ātma.

Cada corpo é um campo que vibra em uma freqüência diferente. Eles recebem o nome de śarīra, embora o segundo e o terceiro não sejam corpos no sentido material.

A palavra śarīra  significa literalmente “aquilo que decai”, e se refere ao fato de que os śarīras são veículos transitórios, nos quais se manifesta momentaneamente Ātma, que é invariável e eterno.

Esses corpos são:

  1. Sthūlaśarīra, o corpo físico denso, que corresponde à vigília.
  2. Sukṣmaśarīra, o corpo sutil, que corresponde ao sonho.
  3. Kāraṇaśarīra, o corpo causal, que corresponde ao sono.

Na tradição do Yoga coloca-se uma parábola simples para compreender os três corpos e as suas funções. Pense no fruto do tamarindo: a casca é o corpo fisico, a polpa é o corpo sutil, e a semente é o corpo causal.

A casca protege e preserva o conteúdo. A polpa alimenta e nutre. A semente garante a continuidade da vida. Ātma é o Ser, a Presença em torno da qual se auto-organiza o corpomente.

Ātma não é uma porção do corpomente, nem está em nenhum lugar limitado dentro dele, mas é a própria base da sua existência. Portanto, Ātma não é casca, nem polpa nem semente: Ātma é a presença, a base graças à qual o tamarindo existe.

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Os três corpos e os cinco kośas

O modelo dos três śarīras aparece associado e sempre sobreposto a outro modelo: o dos cinco kośas. Eles são mencionados na Taittirīyopaniṣad, um dos mais antigos textos sobre a espiritualidade da Índia.

Os cinco kośas “invólucros” ou “camadas” são os seguintes: annamayakośa, prāṇamayakośa, manomayakośa, vijñānamayakośa e ānandamayakośa.

Respectivamente, alimento, bioenergia, mente, intelecto e ignorância existencial. (Embora o nome ānandamayakośa apareça muitas vezes associado a felicidade ou plenitude, ele se refere ao poder de ocultação da ignorância existencial, como veremos no fim deste texto).

O annamayakośa, a “camada de alimento“, corresponde ao corpo físico denso, sthūlaśarīra. O grupo central dos três kośas (prāṇamayakośa, manomayakośa e vijñānamayakośa) corresponde ao corpo sutil. O ānandamayakośa coincide com o corpo causal.

O corpo físico

O corpo físico denso ou sthūlaśarīra é carne e osso, tecidos, células, moléculas e átomos. É o palco das experiências do indivíduo. É o que se move, age e respira. A ele corresponde o annamayakośa, a camada feita de ‘alimento’.

Jīva, a individualidade, se identifica com o corpo denso e as suas experiências no estado de vigília.

Este corpo denso serve como suporte para os outros dois, que são mais sutis, e está constituído por cinco elementos, cinco órgãos dos sentidos e cinco órgãos de ação.

O sthūlaśarīra está constituído por cinco tattvas ou elementos densos, também chamados bhūtas. Eles são, do sutil ao denso: espaço, ar, fogo, água e terra. Em sânscrito, ākaśa, vāyu, agni, apaḥ e pṛthivī.

O corpo sutil

O corpo sutil ou sūkṣmaśarīra é invisível para o olhar externo: como é feito de pensamentos, dentre outros componentes, está disponível apenas para a apreciação da própria pessoa.

Está formado pelas três camadas ou kośas que mencionamos acima: energia, pensamento e conhecimento. Respectivamente, prāṇamayakośa, manomayakośa e vijñānamayakośa.

O indivíduo vive identificado com o corpo sutil e as suas experiências no estado onírico, ao sonhar.

Os elementos que configuram o corpo sutil são os seguintes: cinco formas de vitalidade, cinco órgãos de ação, cinco órgãos de conhecimento e ainda, quatro faculdades psíquicas.

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As cinco formas de vitalidade são chamadas vāyus ou “ares vitais”. Elas são as funções que a energia vital assume ao circular pelo corpo físico.

Cada uma delas realiza uma tarefa: prāṇavāyu é responsável pela captação da vitalidade, da inspiração, apānavāyu regula os processos de excreção ou expulsão, samānavāyu é a função que assimila o nutriente, fisico ou sensorial, udānavāyu determina a circulação da vitalidade  e vyānavāyu, que regula o crescimento.

O órgão interno, antaḥkaraṇa, consta de quatro tattvas ou componentes: inteligência, chamada buddhi, o ego, ahaṅkāra, a mente, denominada manas e por último citta, a memória. 

Os cinco órgãos de conhecimento, jñānendriyas, do sutil ao denso, são: os ouvidos, a pele, os olhos, a língua e o nariz: śrotra, tvāk, caksus, rasana e ghrāna.

Os cinco órgãos de ação, karmendriyas, do mais sutil ao mais denso, são os seguintes: fala, preensão, locomoção, reprodução e excreção: vāk, pāni, pāda, upaṣṭhā e pāyu.

O antaḥkaraṇa é o conjunto das funções que permitem ao homem conhecer refletir, interpretar e traçar o próprio rumo, à diferença dos animais, cuja conduta está pautada unicamente pelos instintos.

O corpo causal

O corpo causal ou kāraṇaśarīra é o que dá sentido à existência dos anteriores. O nome “causal” mostra a conexão deste corpo com a razão do nascimento da pessoa.

O corpo causal é uma espécie de “mochila kármica”, uma bagagem que migra de corpo em corpo e determina cada nascimento de cada indivíduo.

Essa “mochila” vem carregada com os impulsos e tendências subconscientes, chamadas vāsanās e saṁskāras, que são as sementes dos desejos que irão, por sua vez, determinar as ações.

Ādi Śaṅkarācārya esclarece o kāraṇaśarīra no Tattvabodha:

“O corpo causal não possui uma forma [definida]. Existe por causa da ignorância existencial, que não tem início. Ele é a causa dos outros dois corpos, que se manifestam para realizar os desejos [subconscientes] do indivíduo.

“A natureza deste corpo é a própria ignorância em relação a si mesmo (Ātma), basicamente porque não há o discernimento entre sujeito e objeto.”

O kāraṇaśarīra está vinculado com o quinto e mais sutil dos kośas, ānandamaya. Embora muitas vezes o nome ānandamayakośa apareça traduzido com “corpo de felicidade ou plenitude”, essa tradução não é correta.

Ānandamayakośa  é a causa mais sutil da nescência, da ignorância existencial. A esse respeito, esclarece-nos Ādi Śaṅkarācārya no Tattvabodha:

“Este ānandamayakośa é aquele que é sustentado pela ignorância [sobre si mesmo], que é a razão pela qual o corpo causal existe. Consiste de sattva impuro”.

Por paradoxal que pareça o grande sábio usar a expressão “sattva impuro”, ela se faz necessária para indicar a diferença existente entre Ānanda, a Plenitude Intrínseca ao Ser, e sattva, uma experiência de felicidade que vem e vai.

O corpo causal está associado com a experiência do sono profundo, nidrā.  Nesse sentido, essa experiência de plenitude que temos quando a mente se desliga durante o sono é algo prazeroso, que todos aprendemos a apreciar.

Porque gostamos tanto de dormir? Pois no sono profundo surge essa experiência sáttvica, que nos traz regozijo e paz, e nos conecta com essa harmonia.

Porém, não devemos confundir, como nos advertiu Śaṅkara, essa experiência peculiar onde a mente se desliga, com a nossa própria natureza.

Enquanto o corpo físico pode ser visto por todos os demais corpomentes e o corpo sutil pode ser visto apenas por cada um, o corpo causal nunca está disponível para a apreciação sensorial, nem mesmo da própria pessoa.

Conclusão

Ādi Śaṅkarācārya encerra a sua explanação no Tattvabodha sobre os corpos dizendo o seguinte:

“Assim como um bracelete, um brinco, uma casa e demais objetos são reconhecidos como “meus”, e portanto, diferentes de mim, a mesma conta corresponde àquilo que é composto pelos cinco kośas.

“Reconhecidos como “meus”: o meu corpo, os meus sentidos, a minha mente, o meu intelecto e a minha ignorância. Todos eles não sou eu, Ātma.”

Nenhum dos três corpos é Ātma. Nenhum dos três śarīras pode trazer felicidade,  pelas seguintes razões: estão sempre sujeitos à mudança, não tem existência separada do Ser, são limitados e mudam constantemente.

Tanto o modelo dos três śarīras como o dos cinco kośas, têm como propósito explicar a psiquê  humana e a correlação entre os estados de consciência e os elementos do corpomente.

Isso quer dizer que basta-nos com compreender a individualidade que somos enquanto seres humanos encarnados nestes corpos.

Não precisamos, portanto, preocupar-nos com buscar algum tipo de experiência ou fugir de algum tipo de vivência em relação aos śarīras, já que todas e cada uma das experiências e vivências que eles nos possibilitam são, afinal, experiências e vivências de Ātma.

O Ser é a base, o sustento da existência do universo e do próprio corpomente, está presente em todos os elementos, em todas as faculdades, em todos os momentos e em todos os lugares.

Basta-nos esse reconhecimento de sermos o Ser, a Presença Simples que tudo ilumina.

॥ हरिः ॐ ॥

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॥ हरिः ॐ ॥

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Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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3 respostas para “Os 3 Corpos do Ser Humano”

  1. Como ficam os koshas tântricos nessa perspectiva dos três corpos vedânticos?

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