Mithyā e satyam são conceitos fundamentais para compreender como funciona a natureza. Satyam é o real, a Consciência Ilimitada. Mithyā é aquilo que depende da Consciência para existir.
O mundo é palavra e significado. Namarūpaḥ. O que é um carro? A borracha? O ar? O aço? A gasolina? O plástico? Não, não e não. O que é o carro? Tudo isto junto? Então, se esses objetos são não-carros, como é que, quando os coloco juntos, o carro se forma? Como é que todos esses componentes, que são não-carros, formam o carro?
Digamos que eu, com meu parco conhecimento de engenharia automobilística, coloque as peças que configuram um carro mais ou menos juntas e empilhadas: borracha, plástico, vidro e metal. Depois, jogo 60 litros de gasolina por cima delas e dou a partida com uma faísca, como acontece nos motores a explosão. O que vou ter como resultado? Uma bela explosão, de fato!
Colocar junto todas peças não basta, é necessário arranjar as coisas inteligentemente. Isso implica que existe um lugar na criação para cada coisa. Senão, não haveria inteligência. Um carro, um animal, um humano, um sistema solar, todas as forças do universo, forças eletromagnéticas, leis naturais, até as partículas sub-atômicas, tudo responde a um desenho inteligentemente montado.
Sṛṣṭi não é exatamente criação no sentido de ser tudo o que existe. Os cientistas tendem a desprezar a ideia da criação. Os teólogos erram, via de regra. Sṛṣṭi não é criação a partir do nada, mas manifestação da inteligência. Tudo é palavra e significado, palavra e significado.
Se tudo o que está aqui é conhecimento, esse conhecimento é o que Īśvara é. Antes do mundo, durante o mundo, depois do mundo existir como manifestação. Īśvara é sarvājñaṁ, todo o conhecimento. Esse conhecimento não está separado da criação. Īśvara é a criação, manifestada na forma do mundo. Īśvara é todo o conhecimento, sarveśvara eṣa.
Īśvara é a causa da existência da vigília, do sonho e do sono. A expressão sarveśvara neste mantra é sarvaśaktī, todo o poder implícito que está presente na criação. Tudo deriva deste Īśvara, permanece em Īśvara, e a Īśvara retorna, no fim da manifestação.
A camisa e o tecido: satya e mithyā
A camisa é tecido. O tecido não é a camisa. Não há camisa, se você quiser olhar para ela. Quando você olha para a camisa, você olha em verdade para o tecido da qual ela é feita. Tente provar que estou errado. Se removermos as costuras da camisa, chegaremos no tecido. Mas o que foi feito da camisa? Você não está vestindo ela? Então, você não pode descartar a camisa como não existente.
O objeto criado não está separado da sua causa. Portanto, aquilo que está aqui é o efeito, e deve haver uma causa com a qual este efeito esteja conectado. O peso da camisa é o peso do tecido. A camisa não tem peso, nem existe, separada do tecido. Você não pode tocar a camisa sem tocar o tecido.
“Transcendendo” a camisa, o tecido, o fio, a fibra, chegamos nas moléculas, átomos e partículas das quais o algodão é feito. Transcendência, neste contexto, não implica nenhuma mudança no plano físico, mas uma nova maneira de olhar para o que está aqui para ser visto. Transcendendo a camisa, chego no tecido. Transcendendo o tecido, chego no fio. Transcendendo o fio, chego na fibra.
Qual é a verdade da camisa? A verdade da camisa é palavra e significado. Parece que, a medida que avançamos no Vedānta, nos aproximamos da demência. A camisa não pode ser descartada como não existente, pois esta não é a roupa nova do imperador. Você conhece a história: a roupa nova do imperador é roupa nenhuma.
Você não pode pensar na camisa sem pensar no tecido. Isto é colocado por Śaṅkarāchārya no comentário da Bhagavadgītā. Ele diz que você não pode pensar num objeto como um pote, por exemplo, sem pensar em sua causa, a argila ou o material com o qual ele é feito.
Você não pode pensar na camisa sem pensar no tecido, ou no material com o qual ela esteja feito, mesmo que esse material seja papel. Tente pensar na camisa sem pensar em substância alguma. Você não consegue. Você não pode conceber nada sem pensar em alguma outra coisa que seja a causa daquela coisa.
Anirvācanīyaṁ, a realidade relativa das coisas
A camisa é mithyā. Mithyā não significa falso. No mundo, a relação entre aquilo que é Real e o que é aparente, é compreendida entendendo o significado de mithyā. Mithyā não é ilusão nem indica algo irreal ou falso. Você não pode descartar as coisas com não existentes, mas tampouco afirmar que elas tenham existência independentemente da sua causa.
A “camisidade” é um atributo superimposto e circunstancial, mithyā, ao tecido. A camisa não pode ser descartada como não-existente, nem com falsa nem como irreal. Ela é o que chamamos anirvācanīyaṁ.
“Mas Swāmijī,” você pode dizer, “eu estou vendo a camisa, estou usando a camisa!” Onde está a camisa? No tecido? Ela não é falsa, nem irreal, nem inexistente, mas tampouco é satyam. A palavra satyam se usa para definir o tecido, neste exemplo. A camisa precisa ser acomodada na nossa mente em termos da sua realidade relativa.
As Upaniṣads são claras em relação a isso: a camisa não é anṛtam, nem śūnya, nem tuccham, nem satyam (nem falsa, nem desprovida de substância, nem inexistente, nem verdadeira). Um detalhe, porém: ela cumpre uma função prática: serve para você se vestir! Isso é anirvācanīyaṁ.
Noutras palavras, a camisa não pode ser descartada como inexistente, nem como falsa nem como irreal, mas tampouco pode ser considerada real, satyam. E isso não é um problema. É uma bênção. Essa é a realidade. Você simplesmente perde o ilimitado se não compreender isto, se você não entender o significado desta única palavra: anirvācanīyaṁ. Anirvācanīyaṁ significa inexplicável.
O significado inclui uma função. Conhecendo um objeto, todos os demais objetos dessa categoria podem ser conhecidos. A verdade dos objetos é a verdade daquilo de que eles estão feitos. A conclusão disto é que a causa é satya, o efeito é mithyā. Satyam é Ātma.
O sujeito, o conhecedor da camisa, é. Esse “é” é Brahman, é todo o conhecimento. É por isso que não precisamos de mais nada para explicar a criação. Tudo é palavra e significado, nāmarūpa, e tudo deriva do conhecimento ilimitado que é Brahman. O “é” é Brahman.
Não se requer nada além do conhecimento para saber disso. Não há necessidade de ter ou buscar experiências de nenhum tipo. O upādānam, a causa material da existência do universo é idêntica à sua causa instrumental, Brahman.
Tradução de Pedro Kupfer.
॥ हरिः ॐ ॥
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॥ हरिः ॐ ॥
Swāmi Dayānanda Saraswatī (1930-2015) ensinou a sabedoria tradicional do Vedanta por cinco décadas, na Índia e em todo o mundo. Seu sucesso como professor é evidente no sucesso dos seus alunos: mais de 100 deles são agora Swāmis, altamente respeitados como estudiosos e professores.
Dentro da comunidade hindu, ele trabalhou para criar harmonia, fundando o Hindu Dharma Acharya Sabha, onde chefes de diferentes seitas podem se reunir para aprender uns com os outros.
Na comunidade religiosa maior, ele também fez grandes progressos em direção à cooperação, convocando o primeiro Congresso Mundial para a Preservação da Diversidade Religiosa.
No entanto, o trabalho de Swāmi Dayānanda não se limitou à comunidade religiosa. Ele é o fundador e um membro executivo ativo doAll India Movement (AIM) for Seva.
Desde 2000, a AIM vem trazendo assistência médica, educação, alimentação e infraestrutura para as pessoas que vivem nas áreas mais remotas da Índia.
Havendo crescido em uma pequena vila rural, ele próprio entendeu os desafios particulares de acessar a ajuda enfrentada por pessoas de fora das cidades. Hoje, o AIM for Sevaestima ter ajudado mais de dois milhões de pessoas necessitadas em todo o território indiano.
tá se ta querendo falar do princípio do Boodstrap? ou vc não leu essa teoria?
Nossa muito profundo, realmente não podemos jogar o Bebê com a água do batismo. Texto ótimo para reflexão nas aulas de Yoga 🙂