Prāṇāyāma, Pratique

Sūryabheda prāṇāyāma

O sūryabheda prāṇāyāma é o prāṇāyāma da "retenção que perfura o sol" ou, mais explicitamente, que purifica a nāḍī solar.

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O sūryabheda kūṁbhaka prāṇāyāma é o prāṇāyāma da “retenção que perfura o sol” ou, mais explicitamente, que purifica a nāḍī solar, piṅgalā.

Técnica do sūryabheda

Descrevo a seguir uma forma simples da técnica:

a) Colocar as mãos em jñānamudrā;

b) obstruir a narina esquerda (lunar) utilizando o dedo médio da mão direita, preferencialmente logo acima da narina, bloqueando a passagem do ar;

c) inspirar (pūraka) pela narina direita (solar);

d) reter o alento, executar jalāṇḍhārabandha e deglutir a saliva;

f) desfazer o jalāṇḍhārabandha, obstruir a narina direita e expirar (recaka) pela esquerda;

g) repetir a sequência, inspirando sempre pela narina solar e expirando sempre pela narina lunar.

Depois de dominar bem esta sequência, pode-se, no fim ou durante todo o kūṁbhaka (retenção com ar), executar uḍḍīyanabandha e mūlabandha e depois expirar.

Ou seja, executar o bandhatraya (jalāṇḍhārabandha, uḍḍīyanabandha e mūlabandha) no final da retenção e durante a expiração.

Como em outros prāṇāyāmas pode ser acrescentado ritmo e uma combinação diferente dos bandhas.

O sūryabheda nos śāstras

Vejamos, agora, a descrição da Haṭhayoga Pradīpikā:

“Para fazer este kūṁbhaka, o yogin deve sentar-se em um āsana adequado, em um assento confortável, e inalar lentamente pela fossa nasal direita (piṅgalā).

“Na sequência, deve praticar kūṁbhaka até sentir o prāṇa penetrar em todo o seu corpo, desde a ponta dos cabelos até às unhas dos pés; então deve exalar lentamente através da fossa nasal esquerda (īḍā).” [1] (II, 48-49).

Os āsanas para a prática de prāṇāyāma são de pouca ou nenhuma solicitação muscular, mas implicam alguma flexibilidade muscular e articular.

São āsanas sentados com as costas naturalmente erectas, da categoria denominada dhyānāsanas, justamente por serem também os melhores para dhyāna (meditação).

Os quatro clássicos são: samānāsana, siddhāsana, padmāsana, svastikāsana, e como alternativas vajrāsana, vīrāsana, bhadrāsana.

Há que ter sobretudo em atenção que as costas devem estar sempre erectas, com a cabeça e o pescoço no alinhamento da coluna.

A inspiração é feita pela narina direita correspondente à nāḍī positiva _ piṅgalā – que produz calor corporal e gera energia.

A referência à duração da retenção com ar (kūṁbhaka) deve ser entendida habilmente. Por isso, num trecho anterior, a Haṭhayoga Pradīpikā adverte:

“Deve-se controlar o prāṇa gradualmente, do mesmo modo como se domam os leões, os elefantes e os tigres (pouco a pouco, com paciência e energia), pois se assim não fosse o praticante poderia morrer).’ (II, 15).

Quer isto dizer que não se pode esperar dominar o prāṇāyāma de um dia para o outro, mas uma vez consciente disso o praticante deve esforçar-se com energia e afinco na prática e não fazê-la de forma ‘tamásica‘.

Com estas considerações, a indicação é a de que se deve explorar a duração do kūṁbhaka (retenção com ar) até ao limite do controle individual de cada um.

Claro está que aqueles que sofrem de tensão alta se devem abster destas retenções.

Haṭhayoga Pradīpikā volta a dar a indicação para que se expire lentamente.

Assim, se no fim da retenção sentir necessidade de expirar rapidamente para fazer nova inspiração, é sinal que a retenção foi demasiado prolongada e deve ser reduzida de modo a trazer equilíbrio a todas as fases da respiração.

A expiração lenta impede a dissipação do prāṇa acumulado.

“Este excelente sūryabhedana deve ser praticado sucessivas vezes, pois esvazia o cérebro (lóbulos frontais e seios nasais), combate os parasitas intestinais e cura os males causados pelo excesso de vāta.” (II, 50).

Esta referência ao dośa vāta demonstra a conhecida relação entre o Yoga e o Ayurveda desde tempos antigos.

Os textos do Haṭhayoga, nomeadamente, fazem referências frequentes aos efeitos das diferentes técnicas sobre os dośas, como neste caso.

Assim, o prāṇāyāma influencia de forma diferente os praticantes consoante o seu dośa.

Dośa, que significa literalmente ‘falha’, indica os factores que dão origem à doença ou à decadência da saúde.

De acordo com o Ayurveda, existem três dośas que correspondem ao bio-tipo de cada ser-humano conforme a interacção dos cinco elementos (bhūtas) e que são:

  1. vāta associado ao elemento ar (vāyu) e espaço (ākaśa),
  2. pitta, associado ao elemento fogo (tejas), e
  3. kapha associado aos elementos pṛthivī (terra) e apas (água).

O texto diz-nos que o prāṇāyāma corrige os desequilíbrios do dośa vāta, o que se compreende porque a respiração pela nāḍī solar (direita) seguida da retenção prolongada estimula o elemento agni, fogo, o que ajuda a equilibrar os elementos elemento ar, vayu e espaço, ákásha (associados ao dośa vāta).

A referência em muitos textos apenas ao dośa vāta é normal uma vez que este é o dośa principal [2].

Confrontemos com o que nos diz a Gheraṇḍa Saṁhitā:

“Gheraṇḍa disse:

“Expliquei-te o sahita kūṁbhaka; agora ouve a instrução sobre o sūryabheda.

“Inspira com toda a tua força o ar externo pelo tubo solar (narina direita).

“Retém este ar com grande cuidado enquanto executas jalāṇḍāramudrā. Mantém a retenção enquanto a transpiração não sair pelas pontas das unhas e pela raiz do cabelo.” (V,58-59).[3]

O jalāṇḍārabandha ou jalāṇḍāramudrā, como é aqui chamado [4], auxilia a execução do kūṁbhaka.

Pormenores importantes

Como sempre as costas devem ser mantidas erectas e é de evitar o curvar da coluna na execução do bandha.

Mesmo que não seja possível a pressão do queixo no peito o importante é criar uma pressão na depressão jugular.

Este bandha pressiona o prāṇa para baixo em direcção à entrada de suṣumṇā nāḍī, e ainda corta a passagem do fluxo de prāṇa entre o plexo solar, no abdómen, e o plexo lunar, no alto da cabeça, evitando o arrefecimento do primeiro, bem como o aquecimento do segundo plexo.

Diz-nos a Yogacudamaṇi Upaniṣad:

Graças ao jalāṇḍārabandha, que contrai a cavidade da garganta, o néctar que desce do lótus de mil pétalas, não se queima no fogo digestivo e controlando as forças vitais, desperta a kuṇḍalinī.”

A seguir a esta citação do prāṇāyāma,Gheraṇḍa Saṁhitā enuncia os principais vāyus e suas funções.

O prāna genérico (ou vāyu) divide-se em cinco prāṇas ou vāyus principais, que são: prāṇa, apāna, udāna, samāna e vyāna.

O prāna está situado no alto do tórax, na região do coração, e o seu percurso começa no umbigo e vai até à garganta.

Este vāyu associado à respiração é activado pela inspiração e é responsável pela captação da energia do meio ambiente para vitalizar o corpo.

Apāna está situado abaixo do tórax, na região coccígea, é o vāyu responsável pelos processos de excreção e expulsão no corpo e é activado pela expiração.

prāṇāyāma procura, sobretudo, unir estes dois vāyus (prāna e apāna) através da inversão das suas direcções naturais no maṇipuracakra.

Quando prāna e apāna se unem é estimulado o despertar da kuṇḍalinī e isso ‘proporciona resultados de particular importância para a experiência definitiva do Yoga.[5].

Segundo a Haṭhayoga Pradīpikā, ‘quando apāna e o fogo se unem ao prāṇa, quente por natureza, um clarão intensamente abrasador brota no corpo.'(III-67)

Kuṇḍalinī adormecida, aquecida por esse abrasamento, desperta. Tal como uma serpente tocada por uma vara, ela se levanta sibilando; e, como se entrasse em sua toca, entra na brahmānāḍī (suṣumṇā, o canal central).’ III-68,69).

Os outros três vāyus principais são: samāna, situado no plexo solar, na região do umbigo, e cuja função principal tem a ver com a digestão, alimentando o fogo gástrico; udāna que actua na garganta e é responsável pela deglutição.

 vyāna tem como função distribuir a energia por todo o corpo e tem como função principal estimular a circulação sanguínea.

Este é o vāyu (ar vital) que interage e mantém a coesão dos outros vāyus.

Existem ainda os chamados vāyus secundários que governam outras funções do corpo, voluntárias e involuntárias, e que são: nāga, responsável pelo soluço e pela erucção, kūrma, permite o pestanejar dos olhos, kṛkāra, produz a fome e a sede, devadattā, provoca o bocejo, dhanañjaya elabora a decomposição do corpo após a morte.

“Que ele eleve todos estes vāyus da raiz do abdómen por sūryanāḍī; depois expire por īḍānāḍī lentamente e de forma continuada.

“Inspire outra vez pela narina direita, retenha como ensinado acima e exale. Faça-o repetidas vezes.

“Neste processo o ar é sempre inspirado através da sūryanāḍī. Sūryabheda kūṁbhaka destrói o envelhecimento e morte; desperta kundalīśakti; aumenta o calor corporal.

“Ó Canda, assim, ensinei o sūryabhedana kūṁbhaka.'(V, 66-68).’

Repare-se que em cima foi dada a indicação para se fazer o jalāṇḍhārabandha; agora para elevar a energia da raiz do abdómen.

Sabemos ainda que o sūryabheda prāṇāyāma desperta kuṇḍalīśakti, que é outro nome para a kuṇḍalinī.

Ora, relembrando o que foi dito acerca dos vāyus, sobretudo prāṇa apāna, podemos ver aqui a indicação para o uḍḍīyanabandha e mūlabandha sugeridas na descrição inicial que se deu do prāṇāyāma.

O uḍḍīyanabandha consiste na retracção do abdómen até que o contorno das vértebras se desenhe na pele abdominal [6] e além de estimular a circulação propicia a subida do vāyu apāna:

“Por este processo, o grande pássaro (alento) é instantaneamente forçado a subir por sushumná e move-se por ali apenas”. Gheraṇḍa Saṁhitā, III,10.

O mūlabandha também inverte o fluxo natural descendente do vāyu apāna. Associando este conhecimento ao que nos diz a Haṭhayoga Pradīpikā corroboramos a válida utilização dos bandhas como se descreveu.

Vejamos:

“Ao final de pūraka deve-se praticar jalāṇḍhārabandha; e, ao final de kūṁbhaka e no início de recaka, deve-se fazer uḍḍīyanabandha . Praticando-se jalāṇḍhārabandha, mūlabandhauḍḍīyanabandha ao mesmo tempo (durante a expiração), o prāṇa flui por suṣumṇā.

“Impulsionando o apāna para cima (com mūlabandha) e fazendo descer o prāṇa a partir da garganta (com jalāṇḍhārabandha), o yogin livra-se da velhice e torna-se um jovem de dezasseis anos.” (II, 45-47).

Pūraka é a inspiração, kūṁbhaka a retenção e recaka a expiração.

Finalmente dir-se-á que o sūryabheda, à semelhança de outros prāṇāyāmas como o bhastrikā, podem ser especialmente úteis antes da meditação para os praticantes que, chegados a esse momento, sejam dominados por tamas (inércia ou letargia).

Nesse caso, o sūryabheda prāṇāyāma torna a mente (citta) mais alerta e menos dormente, o que é essencial para a prática do samyāma (concentração, meditação e samādhi).

॥ हरिः ॐ ॥

[1] Svātmārāma Yogendra, Haṭhayoga Pradīpikā, Tradução de Pedro Kupfer, Instituto Dharma-Yogashala, 2002, Florianópilis, Brasil.

[2]Vāta, que significa literalmente vento, é o dośa primário ou força biológica. É o poder de motivação por detrás dos outros dois doshas, que são incompletos ou incapazes de se mover sem ele.’ David Frawley, Yoga & Ayurveda, Self-Healing and Self-Realization,1a Edição, Lotus Press, 1999, Winsconsin, pag. 41. Sobre Ayurveda vejam-se os artigos já publicados nos Cadernos de Yoga.

[3] Tradução para o português feita pelo autor a partir de The Forceful Yoga, Being the Translation of Haṭhayoga Pradīpikā, Gheraṇḍa Saṁhitā and Śiva-Saṁhitā, tradução para o Inglês de Pancham Sinh e Rai Bahadur Srisa Chandra Vasu, 1a Edição, Motilal Banarsidas Publishers, 2004, Delhi, Índia.

[4] Theos Bernard ensinava que a distinção entre bandha e mudrá é meramente teórica e não deve causar nenhuma confusão, porque ambos são uma e mesma coisa. Veja-se Haṭha Yoga, The Report of a Personal Experience, 4a Impressão, Essence of Health Publishing, 2001, Africa do Sul, pag 60, nota no 3.

[5] André Van Lysebeth, Pranayama, A la serenidad por el Yoga, Ediciones Urano, 1985, Barcelona, pag. 250.

[6] Claro está que, se o bandha for utilizado no kūṁbhaka (antārakūṁbhaka) deve ser executado de forma mitigada em virtude de os pulmões estarem cheios.

Ou seja, apenas se contrai o baixo ventre, abaixo da linha do umbigo, tal qual se faz na prática de āsana com o bandha.

॥ हरिः ॐ ॥

Miguel é professor de Yoga no Porto, Portugal. Este artigo foi publicado originalmente no seu website, www.dharmabindu.com.

॥ हरिः ॐ ॥

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2 respostas para “Sūryabheda prāṇāyāma”

  1. Muitos termos sanscritos e falta de clareza, gostaria de uma explicacao mais simples e objetiva. Grato.
    Plínio.

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