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Valores e Vedānta

No décimo-terceiro capítulo da Bhagavad Gita, existem alguns versos que lidam com o que podemos chamar "valores". A Gita denomina esses valores jñanam, que significa conhecimento

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Īśvara

No capítulo XIII da Bhagavadgītā, existem alguns versos que lidam com o que podemos chamar valores. A Gītā denomina esses valores jñānam, que significa conhecimento.

Entretanto, jñānam, usado nesse sentido, como valores, não significa o conhecimento do Ser que tanto é o meio quanto o fim do ensinamento de Vedānta.

Nesse uso, jñānam representa as diversas qualidades da mente na presença das quais, em medida relativa, o conhecimento do Ser pode ocorrer.

E quando a ausência dessas qualidades é significativa, o autoconhecimento não ocorre, ainda que o professor seja qualificado e o ensinamento autêntico.

valores

O conhecimento requer três fatores

Para qualquer tipo de conhecimento, três fatores são necessários:
1) o conhecedor,
2) o objeto de conhecimento,
3) o meio de conhecimento.

Observando as experiências do dia-a-dia, percebemos que esses três fatores têm que estar presentes para que qualquer conhecimento ocorra. Tomemos, por exemplo, o conhecimento de um som:

1) Eu, o conhecedor, tenho que estar presente para ouvir o som;
2) o som, a ser conhecido, deve ocorrer;
3) meus ouvidos, o instrumento, devem ser capazes de ouvir.

Todos esses fatores são claros, mas o terceiro fator requer uma análise O fator número um não apresenta problemas. Está claro, para mim, que se eu não estiver presente lá (ao alcance do som), não o ouvirei. O fator número dois também é óbvio: se o som não ocorrer, não o ouvirei.

O fator número três pode não ser tão simples: se eu estiver ao alcance do som e ele ocorrer realmente (de acordo com decIarações confiáveis de ouvintes próximos) e se, apesar disso, eu não ouvir o som, tenho que examinar a capacidade do meu meio de conhecimento para sons, ou seja, os meus ouvidos.

A mente deve respaldar os órgãos dos sentidos

Quando eu falho em ouvir um determinado som e se todos os testes acústicos mostram que os meus ouvidos são capazes de ouvir aquele som, então o problema deve estar em outro lugar. Onde mais?

Eu direi: talvez a minha atenção tenha divagado. lsso significa que minha mente não estava atenta, respaldando meus ouvidos.

Eu estava lá; o som ocorreu; meus ouvidos estavam presentes; eles erarn capazes, mas a minha mente não estava por trás de meus ouvidos, capacitando-os a ouvir.

Devo, então, acrescentar algo à minha compreensão do que constitui um meio adequado de conhecimento.

Para estar adequado para obter conhecimento de um determinado objeto, não somente deve o órgão do sentido – apropriado e apto para determinada percepção – estar disponível (olhos para a visão; ouvidos para o som; Iíngua para o paladar, etc.), mas também uma mente atenta e capaz deve estar por trás daquele órgão.

Assim, para o simples conhecimento perceptivo, os órgãos dos sentidos em si não são o pramāṇa, o meio do conhecimento. Os órgãos dos sentidos, em conjunto com a mente, são o pramāṇa. Quando todos os fatores, incluindo a mente, estão presentes, o conhecimento acontece.

A mente deve estar preparada

O conhecimento sempre acontece quando todos os fatores, incluindo uma mente atenta, estão presentes? E se eu estiver buscando o conhecimento de cálculo? Eu encontro um professor de cálculo competente, que é um bom mestre – alguém que tem a habilidade de comunicar o que sabe.

Ele me fala sobre cálculo em português, a língua que conheço. Eu reconheço as palavras. Para iIustrar a aula ele escreve números e letras no quadro-negro. Eu conheço o posso identificar os numeros e as letras.

Sou fisicamente capaz de ver o que ele escreve no quadro. Sinceramente desejo aprender cálculo. Venho todos os dias. O professor ensina. Eu ouço e olho. Minha mente está atrás dos meus olhos e ouvidos.

Mas, ai de mim, o conhecimento do cálculo não me ocorre! Por quê? Minha base de matemática é fraca. De fato, eu não tenho certeza se 7 mais 4 é igual a 9 ou a 12! Está rne faltando o preparo necessário para o estudo de cálculo.

Logo, nós devemos acrescentar algo mais à nossa compreensão do que é um mejo de conhecimento adequado. Já vimos que um meio de conhecimento deve ser apropriado, capaz e ter o respaldo de uma mente atenta.

Uma outra qualificação deve ser agora acrescentada: a mente, pelo menos em algumas situações, deve não só ser capaz e atenta, mas também preparada.

De modo a estar preparada para o conhecimento de cálculo, um saṁskāra, um certo estudo de matemática deve estar presente. Somente, então, o conhecimento de cálculo pode ser obtido.

Palavras como meio de conhecimento

Para o simples conhecimento perceptivo, pode não ser necessária nenhuma preparação especial, além de, talvez, a atenção da mente.

Quando o objeto está presente, os olhos estão abertos, a mente está por detrás dos olhos, o objeto é visto e esse conhecimento visual do objeto é obtido sem nenhuma preparação especial.

Entretanto, para um conhecimento como o cálculo, que é obtido não apenas pela simples percepção, mas através das palavras usadas por um professor competente, desdobrando um certo raciocínio, alguma preparação sempre é necessária.

Para que as palavras do professor funcionem como um pramána, um meio válido de conhecimento, as palavras devem ser apropriadamente utilizadas pelo professor e a mente do aIuno deve estar pronta.

Vedānta é um pramāṇa, um śabda pramāṇa, isto é, um meio verbal de conhecimento. Vedānta  é um pramāṇa na forma de palavras e frases que, utilizadas por um professor competente, tem a intenção de lançar luz no Ser.

As palavras podem levar a conhecimento direto ou indireto, dependendo do objeto envolvido. Se o objeto está fora da minha área de experiência, as palavras apenas podem gerar conhecimento indireto.

Se o objeto está dentro da minha área de experiência, as palavras levam ao conhecimento direto. Vedānta é sobre mim, sobre aquele que está indicado pela primeira pessoa do singular, “eu”.

Eu estou sempre disponível para mim mesmo, logo as palavras podem dar conhecimento direto de mim mesmo.

Para as palavras de qualquer ensinamento transmitirem conhecimento, devem ser compreendidas pelos alunos da mesma maneira que pelo professor.

Definições gerais não são suficientes, porque carregam implicitamente, na sua generalidade, interpretações subjetivas.

Para que as palavras sirvam como um meio de conhecimento, seu significado exato deve ser transmitido e os possíveis significados não-desejados devem ser negados. Como um professor consegue isso?

Ele estabelece um contexto no qual outros possíveis significados das palavras são excluídos.

Quando um professor falha em criar um contexto para as palavras que usa, ele não consegue transmitir conhecimento através delas.

As palavras, então, tornam-se somente uma outra forma de condicionamento. Isso acontece comumente quando o assunto é o Ser.

Freqüentemente, num ensinamento que tenta revelar o Ser, palavras tais como “infinito”, “Brahman” e “eterno” são usadas, mas não são desdobradas.

Tais palavras assim usadas somente se tornam um novo condicionamento, acrescentando mais confusão e falta de clareza à mente do estudante.

Entretanto, mesmo quando você tem ambos, um professor de Vedānta quaIificado, que aprendeu a metodologia do ensino, que sabe como desdobrar o significado preciso das palavras usadas, e um estudante dedicado, que está buscando o conhecimento do Ser, o conhecimento, que é Vedānta, acontecerá somente se a mente do estudante estiver preparada.

Para quem tem a mente despreparada, Vedānta é como cálculo para a pessoa que ainda está estudando tabuada. Isso não significa que cálculo ou Vedānta não possam ser compreendidos. Simplesmente significa que a preparação da mente é necessária. A mente é o lugar onde o conhecimento acontece.

Se o conhecimento não ocorre quando ambos, o objeto do conhecimento e um meio de conhecimento apropriado, estão disponíveis para quem deseja o conhecimento, então deve existir algum obstáculo responsável pela não ocorrência do conhecimento. O único obstáculo possível é a falta de preparação da mente.

Os valores preparam a mente para o Vedānta 

O que prepara a mente para o conhecimento que é Vedānta? Práticas como prāṇāyāmas (exercícios respiratórios) e āsanas (posturas) podem ser úteis para aquietar uma mente agitada, mas não preparam a mente para o autoconhecimento.

Jñānam, de acordo com a Gītā, prepara a mente para Vedānta. Esses valores apresentados na Gītā podem ser definidos como um estado de mente que reflete certos valores universais e atitudes éticas.

Outras práticas podem trazer uma quietude mental na qual os valores necessários são mais profundamente estabelecidos, mas somente a descoberta e assimilação dos valores por eles mesmos constituem a preparação da mente. Somente os valores preparam a mente.

Tudo o mais é secundário. Por isso, a Gītā eleva os valores apropriados à categoria de conhecimento, denominando-os jñānam, que em sânscrito significa conhecimento. Entretanto, o jñānam dos valores e o do autoconhecimento não devem ser confundidos.

Eles não são a mesma coisa. O jñānam dos valores é a preparação para a conquista do autoconhecimento. Isso não quer dizer que o conhecimento do Ser ocorrerá se a mente tiver os valores apropriados, mas que poderá ocorrer. Sem os valores apropriados, não ocorrerá.

Em síntese:

– valores apropriados presentes, autoconhecimento pode ou não estar presente;
– valores apropriados presentes, autoconhecimento pode ser obtido;
– valores apropriados ausentes, autoconhecimento não pode ser obtido.

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॥ हरिः ॐ ॥

Extraído do livro O Valor dos Valores, do Vidyā Mandir Editorial, Rio de Janeiro, e digitado por Cristiano Bezerra.

Visite aqui o site do Aṛṣa Vidyā Gurukulam, Āśram de Swāmi Dayānanda na Pensilvânia, EUA.

Para conhecer mais a obra de Swāmi Dayānanda, visite o site do Vidyā Mandir – Centro de Estudos de Vedanta e Sânscrito, da professora Gloria Arieira.

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॥ हरिः ॐ ॥

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Swāmi Dayānanda Saraswatī (1930-2015) ensinou a sabedoria tradicional do Vedanta por cinco décadas, na Índia e em todo o mundo. Seu sucesso como professor é evidente no sucesso dos seus alunos: mais de 100 deles são agora Swāmis, altamente respeitados como estudiosos e professores.

Dentro da comunidade hindu, ele trabalhou para criar harmonia, fundando o Hindu Dharma Acharya Sabha, onde chefes de diferentes seitas podem se reunir para aprender uns com os outros.

Na comunidade religiosa maior, ele também fez grandes progressos em direção à cooperação, convocando o primeiro Congresso Mundial para a Preservação da Diversidade Religiosa.

No entanto, o trabalho de Swāmi Dayānanda não se limitou à comunidade religiosa. Ele é o fundador e um membro executivo ativo do All India Movement (AIM) for Seva.

Desde 2000, a AIM vem trazendo assistência médica, educação, alimentação e infraestrutura para as pessoas que vivem nas áreas mais remotas da Índia.

Havendo crescido em uma pequena vila rural, ele próprio entendeu os desafios particulares de acessar a ajuda enfrentada por pessoas de fora das cidades. Hoje, o AIM for Seva estima ter ajudado mais de dois milhões de pessoas necessitadas em todo o território indiano.

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