Pratique, Yoga na Vida

Da amizade

No caminho espiritual, encontramos muitos amigos. Pessoas que se irmanam em uma mesma busca e isso as torna mais próximas do que outras que conhecemos há muitos anos

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‘A amizade cresce com o desejo que dela temos, eleva-se, desenvolve-se e se amplia na frequentação, porque é de essência espiritual e a sua prática apura a alma.’ Montagne.

Sempre pensei que a impermanência passasse longe da amizade. Que os amigos eram a nossa verdadeira família, a que foi escolhida. A que viemos, a família de sangue, seriam relações que teriam ficado por resolver, por isso laços tão fortes e indissolúveis.

Os amores seriam, assim como a família de origem, os samskaras que viemos transmutar. Relações não resolvidas, dívidas karmicas mesmo. Mas amigos não. Amigos seriam nossos irmãos de alma, nossos parceiros por afinidade sincera e gratuita.

Relações que chegavam como presentes por boas ações que tivéssemos cometido em outras vidas. Amigos seriam mérito. Família seria missão! E essa leveza deliciosamente sustentável das amizades seriam eternas.

Para mim, amigo sempre foi mais importante do que amor. Aos amores, talvez eu entregasse minha voracidade, entregava os sentidos e exigia reciprocidade. Aos amigos, eu dedicava a alma. Amigo é relação construída, passo a passo, intimidade conquistada, confiança provada, silêncios e sumiços cordialmente respeitados.

Sabemos que quando um amigo querido some, é porque está bem e apaixonado. E tudo bem. Porque você sabe que dali a pouco ele volta cheio de alegrias e tristezas pra contar. E a gente vai receber com o mesmo carinho de sempre. Mesmo sabendo que assim que a dor passar, ele some de novo…

Faz parte da amizade esta liberdade de ir e vir. Pelo menos, assim eu pensava. Que implícito na amizade estava um pacto de eternidade.

Perdi uma grande amiga num acidente de carro. Na última vez que nos vimos, ela me disse: a gente se vê quando eu voltar. E ela não voltou. E eu senti a maior dor da minha vida. E não fui me despedir no seu enterro, porque sabia que sua alma não estava mais lá. Apenas o corpo que a hospedava.

Até hoje me culpo, sei que ela teria gostado de saber que eu estava presente na festa que lhe fizeram, mas sei que esta amizade que permaneceu imaculada perdoaria todas as minhas faltas… Porque era amor de raiz, daquele que se realiza na felicidade do outro e que transcende qualquer formalidade.

Mas depois desta perda irreparável, perdi dois amigos que simplesmente não quiseram mais ser meus amigos e fizeram muita falta.

Aceitei, mas nunca compreendi.e a impermanência da vida fez com que o que era desconsolo, virasse resignação, memórias guardadas de um tempo que passou. No entanto, o amor permanece. Porque já sabemos que a vida é rio, tudo está passando o tempo todo e aceitar essa impermanência abre nosso coração para que nos vejamos no outro, estabelecendo assim a empatia e aceitação dos fatos da vida como presentes divinos. Portanto a falta que o amigo nos faz deve ser reconhecida e devemos crescer com essa dor.

Sabemos que rios deságuam no mar e se misturam no vasto oceano de possibilidades do vir a ser. Então, o amigo que pode estar distante agora, daqui a pouco também chegará no mar e estaremos juntos, seremos o mesmo mar, experimentando formas diferentes de nos relacionar…

‘A amizade atinge a sua irradiação total na maturidade da idade e do espírito.’ Montagne .

No caminho espiritual, encontramos muitos amigos. Pessoas que se irmanam em uma mesma busca e isso as torna mais próximas do que outras que conhecemos há muitos anos. Sempre me inquietou esta enorme familiaridade, essa sensação de déjà vu com pessoas que mal conhecemos.

Só posso crer que este é apenas um re-encontro e que já éramos parte da mesma egrégora em outras vidas. Estes re-encontros vem carregados de impermanencia em sua própria natureza e assim, fica mais leve, sem cobranças, porque parece que sabemos que há uma ‘liga’ maior que nos une. A liga do caminho espiritual, da busca de quem somos, da compreensão de que somos um e a vitória do outro também é nossa.

‘Na amizade a que me refiro, as almas entrosam-se e se confundem em uma única alma, tão unidas uma a outra que não se distinguem, não se lhes percebendo sequer a linha de demarcação.’ Montagne.

Montagne escreve em seu lindo ensaio sobre a amizade, porque ele amava incondicionalmente seu amigo Etienne de La Boétie:

‘Se insistirem para que eu diga porque o amava, sinto que não o saberia expressar senão respondendo: porque era ele… porque era eu’…

Aos amigos que encontro no caminho, dedico meu amor incondicional, porque ele sou eu, e porque eu sou ele. Namaste!

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10 respostas para “Da amizade”

  1. Anos se passaram e agradeço por ter-lhe conhecido. Sua doce e melodiosa voz, e seu coração intenso e resplandecente. Mulher de força, que apoia, dúvida, investiga e questiona…e ao mesmo tempo ama, sim, AMA SIM!
    No meu coração lhe devolvo o mesmo amor. Aquele que você me ofertou, aquele com o qual Ammaji nos presenteou – este, que você compartilha com o mundo através de suas palavras e de sua sinuosa voz.
    Jay Prem!

  2. Tereza, Amiga Querida, Receba meu amor e gratidão pelo seu dom de colocar em lindas palavras o que a nossa humanidade sente. Me divirto e me emociono com sua poesia. Com carinho, Tárika.

  3. Querida amiga…lindo o texto! Sempre lhe tive como uma das pessoas que mais valorizam a amizade, mas tanto, que até passei a observar mais o quanto eu regava a sede dos meus. Junto com seus amigos você chora, aconselha, ri, brinca e fala como gente grande (pois afinal, dentro de ti, sempre irá morar uma criança alegre). Obrigada pelas suas palavras de ontem, pela presença permanente, e por mostrar aos seus amigos que sempre é possivel, mesmo que você tenha que dar a mão e atravessar junto com eles todo o zigue zague de vivências que a vida nos apresenta, pois é dela que podemos experienciar nossos aprendizamos. Com amor, Pati.

  4. Bom dia,
    Gostaria apenas de deixar aqui registrado a minha alegria e satistfacao por este texto sobre a amizade e a enérgia de suas palavras. Moro na Alemanha depois de alguns anos e estou atravessando uma fase difícil e nova na minha vida. Difícil por questoes de tomadas de decisoes e nova por mesmo sendo leigo, despertou em mim o interesse pelo o Yoga. É incrível q mesmo ainda nao fazendo a prática tenho encontrado uma paz somente através de alguns textos q venho lendo e como todos se encaixam neste momento da minha vida. Quero me reencontrar, quero me descobrir e descobrir o outro, quero ser feliz, quero espiritualizar-me. Obrigado!

  5. Amigos do Yoga, muito obrigada pelos cometários.
    Quem escreve, quer ser lido e ver o feedback de um texto nosso é puro samadhi. Sim, Cacau, pode postar o texto no seu blog!
    Esta semente, a da amizade, merece ser espalhada pelo mundo todo, porque o que realmente levamos dessa vida são os amigos que encontramos pelo caminho. Beijos e namaste…

  6. Tereza seus textos sempre me inspiram e tocam, são cheios de sentimentos, verdades e emoções. Obrigada por saber expressar tão facilmente aquilos que muito de nós compartilhamos, o amor pelos amigos-irmãos! Namastê

  7. Um dos mais lindos textos sobre amizade que já li na vida! E veio justo num momento tão particular, onde enfrento situações semelhantes às narradas. Mais simples, direto e poético, impossível! Peço permissão aqui para publicar seu texto em meu blog, com os devidos créditos, naturalmente. Parabéns!

  8. Belíssimo e verdadeiro. Valeu Tereza! Expresso aqui o meu sentimento de gratidão, pelo texto, e por todos os amigos que encontro no caminho. São muitos os nomes, mas um só sentimento.

  9. Otimo texto Tereza! Eu concordo que amizade é a base para muita coisa. E digo que meus amigos formam a família que eu escolhi! A Familia do yoga, a familia do surf, do futebol, das risadas, da música!
    Agradeço à todas elas! Namastê!

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