Como podemos evitar as lesões no Yoga, que parecem ser cada vez mais frequentes? Entro neste tema fundamental através de um exemplo dramático.
Recebi, tempos atrás, uma carta de uma praticante de Brasília, a relatar uma situação muito delicada que ela viveu na prática de Yoga. Como acontece com muitos de nós, apaixonou-se à primeira vista pela prática.
Após alguns meses de ter iniciado, começou a sentir um desconforto crescente, que foi se transformando em dor insistente. A dor evoluiu até se tornar insuportável.
Reiteradas vezes ela se queixou dessas dores para a sua professora que, ao que parece, não considerou isso como algo importante. Aparentemente, a dor dela aumentava muito após as práticas.
Da professora, ela ouvia: ‘É normal, no início, sentir algumas dores. É só ficar pouco tempo nas posturas. Depois vai passar’.
A situação não somente não ‘passou’, senão que foi piorando cada vez mais. Culminou com ela sentindo tanta dor no final de uma aula, que seus colegas tiveram que literalmente carregá-la para fora da sala.
Aí começou o ordálio: a frustração, a tristeza a falta de aceitação ou compreensão do que estava acontecendo com seu corpo, e o sofrimento que surgiu junto. Com muito bom-senso, o médico proibiu ela de frequentar aquelas práticas.
A carta era desesperadora: ela amava o Yoga, mas fora condenada a ficar longe dele. Respondi-lhe, mas ela não me escreveu de volta.
Como considerei importante ampliar esta discussão antes de que mais pessoas continuem machucando-se, optei por colocá-la neste nosso site. As partes da carta dirigida a ela seguem entremeadas no texto, em itálico.
Lesões no Yoga
Embora as práticas do Yoga, chamadas āsanas, sejam muito benéficas de modo geral, existem potenciais perigos a técnica certa é aplicada na situação errada, ou quando a prática errada é aplicada na situação certa, como parece ter sido o caso da nossa amiga praticante.
As hiperextensões às quais seu ortopedista se referiu são de fato um perigo potencial para algumas pessoas. É preciso que o professor tenha muito cuidado pois, em situações como a sua, não basta apenas “permanecer pouco tempo” nas posturas para evitar se lesionar.
Na situação a sua coluna, esse tipo de postura deve ser evitado a qualquer custo, bem como levantar peso, dormir em colchão muito mole e descuidar a postura da coluna no cotidiano.
Há muitas coisas que você deveria saber em relação ao Yoga, que poderiam lhe ajudar imensamente, mas que eu nao consigo colocar numa mensagem como esta.
Assim como algumas posturas podem lhe ajudar a conviver melhor com o problema nas suas costas e, eventualmente, auxiliar no processo da cura, da mesma maneira existem outras práticas que podem piorar muito a sua situação.
Acredito que faltou cuidado da parte da sua professora em perceber que você não podia fazer qualquer postura aleatoriamente.
É preciso que haja muita atenção da parte do professor para manter a saúde do praticante, e muita responsabilidade também.
Existe um ditado hindu sobre o dharma, que pode ser parafraseado em relação ao Yoga: Se o dharma for protegido, protege, se for destruído, destrói.
Parafraseando essa afirmação, podemos igualmente afirmar que quando o Yoga é respeitado, ele protege, mas, se for utilizado inadequadamente, irá destruir àquele que não soube aplicá-lo de forma adequada.
O triste da situação é que, moralmente falando, quem deveria ser responsabilizado, não é o praticante, mas o professor, que não sabe ou não se importa em conhecer a maneira correta de escolher, ensinar, ajustar ou demonstrar os ásanas.
O procedimento que eu sempre sigo é o seguinte: se um praticante se queixa de dores, por menores que sejam, peço para ele imediatamente (sobre tudo se forem dores na coluna lombar), antes de fazer a próxima prática, faça as radiografias do caso e traga um laudo médico para que a gente saiba de que maneira vai trabalhar com essa pessoa daí por diante.
Sem um diagnóstico preciso, o professor não tem como ajudar o praticante. O diálogo entre o médico e o professor de Yoga em situações como esta, é absolutamente essencial para manter a prática em níveis seguros.
Porém, é possível que você já tivesse essa condição desde antes, e que ela tenha sido apenas ativada pela prática das posturas inadequadas. Em todo caso, o que interessa não é quem é o responsável ou o culpado pela situação mas como você vai sair dela.
O professor não pode montar uma prática de Yoga sem saber a situação e as necessidades do praticante, e o que é preciso esperar dessa prática.
Por favor, dê uma chance ao Yoga, pois não foi ele que machucou você, mas a prática inadequada de algumas posturas que não eram para seu corpo naquele momento.
Somos nós quem falhamos. O Yoga não falha. Desde nosso despreparo (não somente os praticantes, mas em certa medida, também alguns professores), escolhemos a prática errada e depois, quando nos lesionamos ou nos frustramos, tendemos a responsabilizar o Yoga pela nossa condição.
Sei que, desde a perspectiva da nossa própria dor, a gente fica inconformado, revoltado, e deprimido. Espero que você consiga passar em paz com suas feridas por essa etapa do caminho.
O que teria para sugerir a você é que procurasse algum yogaterapeuta que pudesse, compreendendo a sua situação, montar a prática que vai ajudar você a sair disto com eficiência e a curto prazo.
Se você acredita ter espaço em sua relação om sua professora, sugiro que exponha essa situação para ela, para que isso não se repita com outrem. A escolha do professor é fundamental nesse processo.
A cura começa no corpo e conclui na liberdade
Então, como proceder num caso desses? Como praticante, você deveria manter a consciência das sensações vinculadas ao fortalecimento e/ou ao alongamento das diferentes partes do corpo que precisam ser trabalhadas.
Isso é fundamental para deixar de simplesmente praticar āsanas e entrar no processo de transformação e cura através deles.
Ao construir a sua prática pessoal, você deveria pensar no seu ponto de partida (a situação presente do seu corpomente), bem como fazer sua a meta do Yoga, a liberdade (mokṣa).
Quando você fortalece os músculos que precisam ser fortalecidos, flexibiliza as articulações cujos movimentos podem ser ampliados e mantém a atenção nessas áreas, a sua mente também se fortalece.
Isto, por sua vez, fortalece o círculo virtuoso que nos leva da consciência do fortalecimento à consciência da paz e do poder mental, destes, à consciência da cura, dela, à consciência da transformação e, dela, à consciência do crescimento interior.
fortalecimento → paz → cura →
transformação → autoconhecimento
Para tanto, precisamos levar em consideração que o objetivo da prática não é a postura perfeita, mas a libertação da dor e do sofrimento, seja qual for a origem deles.
Concretamente, isso significa que devemos fortalecer a área em torno da dor e, especialmente, a área abaixo dela. Dessa maneira, construimos um alicerce firme, sobre o qual os tecidos podem relaxar e curar-se.
A concentração e a contemplação sobre as sensações físicas e energéticas são parte importante neste processo.
Através delas, poderemos perceber que existe um caminho a ser percorrido: da dor, ao desconforto apenas. Deste, à sensação de alívio. Dele, ao conforto e, deste à cura definitiva.
dor → desconforto → alívio → conforto → cura → liberdade
Um dos fatores mais importantes para que isso aconteça é a motivação. Os outros são a confiança, o foco e a perseverança. Somente se passarmos por esse processo, poderemos afirmar que estamos curados, e que compreendemos como o Yoga funciona.
॥ हरिः ॐ ॥
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॥ हरिः ॐ ॥
Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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Esqueci de deixar meu email no último comentário: mur3visan@yahoo.com
Muito Grato!
Agradeço encarecidamente quem por acaso puder me ajudar na prevenção de lesões do joelho para pessoas com cirurgia no ligamento cruzado anterior (com implante do tendão do músculo anterior da coxa) e meniscos do joelho direito, mais um ligamento cruzado anterior do esquerdo estirado. Tempos de muitos esportes de aventura… Sei que praticando se aprende e sente, mas agradeço caso a compaixão de alguém mais experiente desperte e puder dar as dicas.
Muitísimo Grato!
Que todos se realizem!
Harih Om!
É confortante ler essas orientações tão claras e lógicas. Também sou iniciante e já um pouco antigo, mas, por um passado esportivo, sou competidor, e isso não é bom para praticantes iniciantes como eu. Obrigado por me ajudar a reforçar conceitos de paciência, auto-compaixão e principalmente perseverança e constância.
Acredito agora que a prática, constância, tempo e meditação trarão o equilíbrio interior e, por consequência, mais saúde, por acréscimo. De qualquer forma, valeu a informação.
Gostei desse artigo. Sou professora de Yoga e percebo nos alunos uma ânsia muito louca em praticar posturas difíceis sem respeitar suas condições do momento. E pior, que não aceitam suas limitações, mesmo que sejam temporárias. Cabe ao professor observar isso e esclarecer ao aluno que o mais importante é a sua saúde, o seu bem-estar e o respeito por si mesmo, sem entrar em competições, “porque o outro faz eu também quero fazer”.
Parabéns pelo artigo.
Marisa.
Cara Ana Isabel,
ao dizer dê uma chance ao Yoga, quis dizer que, idealmente, nós devemos achar a forma de Yoga mais adequada para cada um de nós. O mesmo método de Yoga produz resultados diferentes em pessoas diferentes. Para alguns, uma prática pode ser muito adequada, e essa mesma prática pode ser totalmente inadequada para outra pessoa. Então, nós precisamos encontrar a nossa própria prática pessoal. Isso é um processo que, em sânscrito, chama-se yogya, ou adaptação. Lembre que, no diálogo entre o corpo e a postura, quem tem a última palavra é o corpo.
Boas práticas!Namastê!
Pedro,
Achei muito interessante esse texto, mas ficou uma questão na minha cabeça. Em certo ponto você fala para a autora do e-mail que deu origem ao texto para dar uma chance ao Yoga. Gostaria de entender melhor esse conselho.
Venho sentindo dores na parte posterior da coxa esquerda, acredito que não seja muscular, quem sabe tendão ou nervo ciático. Já marquei uma consulta com o ortopedista e tenho grande receio que ele peça para que eu pare com a prática do Ashtanga Vinyasa Yoga. Ele é um médico bastante consciente, e em outras dores de menor importância, que ele diagnosticou como de grupos musculares, ele me indicou fisioterapia, mas sem abandonar a prática, pois, ele diz, “você precisa cuidar do seu corpo, mas sem esquecer sua cabeça”. Mas como esta dor está incomodando bastante, não se parece com nada que senti até hoje e cada dia fica mais difícil dobrar ou esticar a perna esquerda sem sentir um puxão bastante incômodo e muitas vezes bastante dolorido, estou com o pressentimento que ele vai me sugerir um afastamento.
Por essa razão, queria compreender melhor o que você sugeriu a essa leitora e para mim como forma de não abandonar o Yoga.
Desde já, obrigada.
P.S.: Sinta-se à vontade em não publicar meu comentário / pergunta. Ele está grande demais mesmo. Além do que, não o escrevo com essa intenção, e sim de um “aconselhamento”, por assim dizer. :o)
Namaste.
Quero parabenizá-lo pelo texto, o qual não deixa de ser também um alerta, uma vez que esclarece não somente praticantes como também instrutores descuidados. É justamente esse tipo de procedimento descuidado, que de uma certa forma demonstra pouco caso do instrutor para com o aluno (ato falho), para não dizer ausência de compaixão pela dor alheia, que fortalece os argumentos daqueles que buscam monopolizar a atuação do instrutor de Yoga por parte dos profissionais de Educação Física.
Namaste,
Dommit (Projeto Aurora-Osasco).
Pedro, muito, muito, muito obrigado por esses esclarecimentos. Creio que precisava ouvir isso de mais uma pessoa experiente e em meio à Luz, como você. Sua orientação me trouxe novos pontos de vista e reforçou outras importantes colocações que me transmitiram. Estou começando a aceitar que a perfeição das posturas não é o mais importante, e nem que efetuar a sequência inteira e em sua ordem seja o mais relevante. Senti dores muito fortes nas rótulas dos meus joelhos, na prática do Ashtanga Vinyasa Yoga, e a abandonei. Penso em fazer musculação e outras práticas, mas quando volto a ver o Ashtanga Vinyasa Yoga em manifestação, fico maravilhado e louco de vontade de voltar a praticar. Vou refletir bastante agora e rever minha posição. É isso. Tudo a seu tempo mesmo.
Namaste, parceiro de jornada! Até.
Não se trata propriamente de um comentário, mas mais de um agradecimento. Estou no início de uma carreira de monitora, e seus ensinamentos têm sido extremamente importantes na minha formação, nomeadamente o que versa sobre esse tema Oriente-se ou acidente-se. Se algum dia vier a Portugal, o que muito me encantaria, por favor mantenha-me informada. Grata por tudo!