Os mantras são fórmulas sonoras que podem trazer imensa paz e bem-estar para quem medita neles. Como diz o ditado, “quem mantra seus males espanta”. Porém, ao fazer mantras precisamos evitar um perigo que ronda a prática e o estudo do Yoga: o do pensamento mágico.
O pensamento mágico é um tipo de padrão mental que confunde analogias com identidades e, usando falácias, sofismas e simpatias, estabelece relações de causa e efeito entre eventos que não estão necessariamente conectados.
O perigo surge quando não compreendemos a realidade, nem conseguimos estabelecer corretamente as causas dos eventos. Por outro lado, esse condicionamentos não nos permitem reconhecer padrões reais, pois ofuscam a nossa visão.
Assim, não nos tornamos heróis por executar a posição do herói, vīrāsana, nem virtuosos por permanecer na postura da virtude, bhadrāsana, nem iluminados por fazer a postura do Buda, buddhāsana.
Existe um mantra para mudar de emprego ou encontrar vaga no estacionamento?
Conto um “causo” recente para ilustrar o ponto: não muito tempo atrás recebi uma mensagem de uma aluna que pedia, sem maiores explanações, “o mantra para mudar de emprego”.
A pergunta me surpreendeu, pois não consegui deixar de pensar nos antigos yogis, sentados em meio à natureza nas montanhas do Himalaia, na beira do rio Ganges ou dentro de profundas cavernas, repetindo seus mantras por décadas a fio. Achei que a última preocupação deles poderia ser trocar de emprego ou profissão.
Assim, eles não nos legaram um mantra especial para esse propósito nem para outros como pagar as nossas contas ou fazer o nosso carro funcionar sem combustível. Não há um mantra mágico para achar uma vaga de estacionamento no shopping center na véspera de Natal. Para essas coisas há outro tipo de solução. Os mantras não servem para isso.
O grande erro nesta atitude é acreditar que haja uma conexão de causa e efeito entre pronunciar um mantra e obter um resultado. Isso é uma falácia. Falácia é uma afirmação que parece verdadeira, mas é falsa.
A falácia do corvo no coqueiro
O Nyāya Sūtra (“Sūtras sobre a Lógica”), um texto do século VI dC atribuído ao sábio Akṣapāda Gautama, expõe falácia com o seguinte exemplo: um corvo pousa num coqueiro. No mesmo instante, um coco maduro cai. Embora esses dois fatos estejam aparentemente vinculados no tempo e no espaço, não existe uma relação causal entre eles. Às vezes, isso acontece.
Porém, a mente, confinada em seus próprios limites, tende a estabelecer nexos entre os acontecimentos, criando explanações para satisfazer-se. Isso é o que chamamos superstição: uma crença equivocada que leva a estabelecer conexões entre eventos que não estão vinculados pela causalidade.
Assim, repetir mecanicamente um mantra ou fazer outros gestos nunca poderá resolver situações práticas, e menos ainda, trazer magicamente felicidade e liberdade. A única coisa que traz felicidade e liberdade é o conhecimento de si mesmo. O resto é aplicar a falácia e concluir que o coco caiu porque o corvo posou no coqueiro.
Mantras não são soluções mágicas
Desta maneira, não podemos olhar para os mantras como soluções mágicas para resolver nossas necessidades ou carências. Se fizermos estas práticas sem consciência nem compreensão de como funcionam, poderemos acreditar que elas consistem apenas em repetir sons e esperar seus resultados, e acabaremos confundindo meios e fins.
Os mantras não fazem milagres. A maneira em que funcionam é a seguinte. Pense nisto: o Universo é Consciência manifestada como força criativa. Nessa manifestação não há diferença entre a causa instrumental e a causa material da criação. Não há diferença entre o fazedor e o criado. Essa é a razão pela qual e inútil buscar por alguma entidade criadora que esteja em algum lugar determinado do cosmos.
Essa Consciência Criativa Ilimitada, chamada Īśvara, se manifesta de diversas formas, no que podemos chamar de as Ordens da Criação, como as leis da física que regulam a ordem material, a ordem biológica que regula a existência de todas as formas de vida, a ordem psicológica que regula a vida emocional e mental dos seres humanos, e outras.
Cada uma dessas manifestações, das mais grandiosas às insignificantes, recebe um nome, e a cada uma delas se atribui deliberadamente uma forma e um conjunto de símbolos ou atributos.
Mantras e arquétipos
Por exemplo, às forças elementais da natureza, chamadas devas, são manifestações da Inteligência Criativa na forma do denso, a terra, do fluido, a água, do luminoso, na forma do fogo, etc. Podemos eventualmente chamar essas forças de arquétipos, se for o caso.
Esses devas são Gaṇeśa, na forma da sabedoria e da capacidade de superação dos obstáculos, Sarasvatī, na forma da Ciência e o Conhecimento, Sītā e Rāma, na forma do amor que vence todos os obstáculos, Hanumān, na forma da entrega e da devoção, Śiva, que simboliza o eterno movimento do universo, e outros que veremos no terceiro módulo do nosso curso.
Propósito da Prática
Os mantras nos conectam com essas forças e manifestações, e através da compreensão da ordem maior e do nosso lugar nela, nos ajudam a compreender, nos motivam a mudar o que podemos mudar, e a aceitar com contentamento aquilo que não podemos mudar.
A priori, a prática de mantras é uma preparação que nos qualifica para o conhecimento libertador e nos dá uma mente clara e objetiva. Em segundo lugar, também é uma reflexão meditativa que se faz sobre aquilo que se sabe sobre si mesmo. Nesse sentido, os mantras revelam a nossa verdadeira identidade e ao mesmo tempo são usados como objetos de meditação sobre essa identidade.
O Viṣṇu Purāṇa diz que “a prática é um olho e o estudo o outro”. Sem mantivermos ambos os olhos abertos, conheceremos o sucesso no caminho do Yoga. O conhecimento sobre si mesmo não pode derivar de uma experiência qualquer, seja a prática de mantras, āsanas ou meditações. Portanto, para a liberdade, é preciso compreensão, esforço, trabalho e foco no que interessa.
Assim, cientes de que é preciso por um lado compreender, e por outro aplicar pela prática aquilo que foi compreendido, poderemos nos aplicar àquilo que precisamos fazer, de maneira equânime e feliz.
॥ हरिः ॐ ॥
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Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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Textos excelentes sempre! Um balsamo de sabedoria!
🙏🏾
Mantras tem poder mágico, sim, pois são palavras e expressões que são repetidas a milênios no caso ganham poderes mágicos, ainda por cima se forem palavras em sãnscrito ou latim, literatura sagrada, como disse no artigo: “A priori, a prática de mantras é uma preparação que nos qualifica para o conhecimento libertador e nos dá uma mente clara e objetiva. Em segundo lugar, também é uma reflexão meditativa que se faz sobre aquilo que se sabe sobre si mesmo. Nesse sentido, os mantras revelam a nossa verdadeira identidade e ao mesmo tempo são usados como objetos de meditação sobre essa identidade.” veja como é grandioso o uso de mantras, neste parágrafo, nós humanos necessitamos o tempo todo, de objetivo de vida, para andarmos para frente, e mantras são usados de forma mágica para sabermos que estamos no caminho certo, veja que mantras sempre devem ser do Bem pelo Bem, para ser mágico, usar mantras para controlar a própria vida ou de terceiros não é a questão, e sim a mágica de serem palavras de poder. muito diferente de falar por exemplo um “palavrão” que de nada mágico tem e sim grosseria.