Pratique, Yoga na Vida

O Yogin e a Morte

Compreender o que acontece na morte ajuda-nos a apreciar melhor a vida

· 3 minutos de leitura >
morte

É um fato por todos conhecido que os seres vivos nascemos com um prazo limitado de validade, desde o ponto de vista físico. A morte é uma realidade que não convém negar.

Nenhum organismo vive para sempre. Cultivando uma vida tranqüila e hábitos saudáveis, como exercícios corretos e uma dieta adequada, essa data de vencimento do corpo pode adiar-se.

Excesso de preocupações, hábitos nocivos ou uma vida desregrada reduzem essa validade. Em todo caso, a morte do corpo é uma realidade que precisa ser assumida.

Se isso é de fato inevitável, a morte não deveria ser uma fonte de angústia para nós. Porque iriamos nos preocupar ou sofrer por algo que não pode ser evitado?

Porém, nossa cultura tem um conflito com a morte, que está sempre associada a desespero, medo, sofrimento e vazio. Isso acontece porque não compreendemos o que significa morrer.

Noutras visões da vida vinculadas ao dharma, como o hinduísmo e o budismo, aprendemos que a passagem para o estado desencarnado pode ser um momento libertador, de paz e alívio.

Compreender e aceitar a inevitabilidade da morte ajuda-nos a apreciar melhor a vida.

A morte de um yogin

Swāmi Ātmavidyānanda, um discípulo alto astral de nosso mestre, Swami Dayananda, tinha perto de 90 anos quando nos encontramos por primeira vez.

Oriundo do sul, ele tinha morado por mais de meio século em Purāṇi Jhaḍi, um tradicional refúgio de sadhus e yogis em Rishikesh, desde quando aquela região era uma densa floresta, habitada por najas, leopardos e elefantes selvagens.

Naqueles tempos, o mestre Dayānanda e seus estudantes moravam em cabanas de bambu à beira do sagrado Ganges.

Hoje em dia, a floresta deu lugar a um bairro barulhento e populoso, que cresceu em volta do Āśram.

Por três anos, nas viagens periódicas que fazemos para estudar nesse mosteiro, minha esposa Ângela e eu convivemos com Swāmijī, que já estava à época numa cadeira de rodas.

Embora ele não falasse inglês, e o nosso parco hindi não fosse suficiente para mantermos uma conversa filosófica, freqüentemente visitávamos ele em seu quarto, fosse para lhe oferecer prasādaṁ (alimento consagrado no templo), algum cobertor num dia frio ou apenas para lhe fazer companhia.

Ele nos mostrava fotos amareladas dos Swāmis em lugares de peregrinação, templos o mosteiros do sul da Índia, e reconheciamos alguns rostos familiares, como o do Śaṅkarācārya de Kañci, ou o de Swāmi Cinmāyānanda, mestre do nosso mestre.

Ao nos despedir, tocávamos seus pés em sinal de respeito, ele nos dava a bênção e nós seguiamos para nossas aulas ou práticas.

Tradicionalmente, os Āśrams da Índia funcionam não apenas como reservatórios do conhecimento vêdico, mas igualmente como lar de yogins velhinhos, que se recolhem neles para viverem os últimos anos das suas vidas.

Os Swāmis mais novos cuidam dos idosos, assistindo-os e certificando-se de que nada lhes falte. Um dia, Swāmijī adoeceu e, pouco tempo mais tarde, veio a falecer.

Quando um yogi morre, ele não morre deitado na cama, lamuriando-se. Ele deve esperar Yamarāja, a morte, sentado na posição do lótus, absolutamente desperto, consciente e tranqüilo.

O momento da morte é a culminação das práticas de meditação e o estudo, o teste final.

Se, por algum motivo, o yogin não conseguir sentar sozinho, seus amigos o levantam e sustentam nessa posição para ajudá-lo a fazer essa passagem consciente.

Chegado o momento da morte, o corpo de Swāmijī foi lavado, vestido com um novo dhoti (uma saia masculina) e homenageado com oferendas de incenso, sândalo, flores e alimentos.

Depois, seu corpo foi colocado numa caixa e depositado no leito do rio Ganges, sem cremar. Na Índia, yogins, santos, crianças e mulheres grávidas não são cremados.

Nosso mestre explicou-nos que aquela não devia ser uma ocasião triste, mas um momento de celebração.

Embora tivesse lágrimas em muitos rostos, compreendemos que nosso professor tinha razão.

Depois, outros Swāmis ficaram um momento conosco, contando-nos anecdotas e situações engraçadas da vida do Swāmijī e listando as muitas virtudes que ele tinha.

Assim é o “funeral” de um yogin na Índia, com lágrimas sim, mas também com boas risadas e leveza no coração.

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Morte para quem?

Na Bhagavadgītā, o livro mais sagrado do Yoga, o deus Kṛṣṇa ensina para o guerreiro Arjuna que “o homem verdadeiramente sábio não tem lágrimas, nem para os vivos, nem para os mortos'”

Isso porque, a rigor, ninguém pode morrer. O que morre é o corpo, não o Ser.

Mais adiante no diálogo, Kṛṣṇa afirma que o Ser não pode ser cortado por armas, nem queimado pelo fogo, nem molhado pela água, nem secado pelo vento, pois ele não está limitado pelo tempo ou pelo espaço.

Em sânscrito, a palavra usada para dizer corpo é śarīra, que significa literalmente “aquilo que decai”.

O Ser, por sua vez, é chamado acyuta, “indestrutível”. A rigor, o Ser não vá embora no momento da morte, pois ele não tem uma localização específica, mas está em todos os lugares ao mesmo tempo.

Quem se desintegra é o jīva, o ser vivente. Compreendendo que o que morre é o corpo e não o Ser, ficamos mais tranqüilos, melhor preparados para viver, aceitar e superar os desafios e provações que a vida possa nos colocar, sempre com um sorriso no rosto.

॥ हरिः ॐ ॥

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Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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5 respostas para “O Yogin e a Morte”

  1. Oi Pedro! Você disse que na Índia, yogis, santos, crianças e mulheres grávidas não são cremados; mas Mahatma Gandhi não foi?
    ===
    Adonis,
    Gandhi era um político, não um santo. Portanto, foi cremado, como corresponde ao seu status. Santos não se metem em política. Não corresponde. Eles até podem aconselhar alguém, mas não dirigir pessoalmente os destinos de uma nação, por exemplo. 
    Namaste.
    Pedro.

  2. Que história linda!!! De uma leveza…. Sou praticante de yoga (tento ser) e tenho lido bastante a respeito. Como sou espírita, percebo que muitos ensinamentos são parecidos com os dos hinduísmo e do budismo, claro que com algumas diferenças, mas em relação a morte, pelo menos aceitamos que é apenas uma passagem para um outro plano, que o corpo é que morre e o espírito permanece e volta quantas vezes forem necessárias para sua evolução. Acho muito interessante estudar várias crenças e em especial espiritismo e budismo, pois nas devidas proporções se assemelham e tornam a vida na terra “mais leve e prazerosa”, além de esclarecedoras a respeito de nossas existências. Namastê.

  3. “NAMASTÊ” Pedro.
    Acredito que a morte é parte da vida. Existe uma meditação chamada: “meditação da prateleira”. Essa meditação consiste em literalmente colocar “tudo” que achamos que nos pertence na prateleira. No final não resta mais nada, a não ser a luz da consciência.
    A luz da consciência é pura e está ligada a forma mais pura de energia. O que torna a idéia de morte irreal. Maya ou seja a ilusão se liberta apartir dessa compreensão de que você é como uma gotinha no oceano, quando está lá é parte dele, mas, ainda assim uma gota.

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