A maioria dos yogins, como a maioria das pessoas em geral, não tem forte inclinação para as coisas do intelecto.
Mas os yogins, ao contrário das pessoas em geral, tiram proveito desse fato e passam a cultivar a sabedoria e as experiências psíquicas e espirituais que a mente racional tende a negar e combater.
Não obstante, sempre houve praticantes de Yoga que também foram intelectuais brilhantes.
Śaṅkara, por exemplo, que viveu no começo do século VIII d.C., não é lembrado somente como o maior defensor da metafísica não-dualista hindu, o Advaita Vedānta, mas também como um grande adepto do Yoga.
O mestre budista Nāgārjuna, do século II d.C., não foi somente um célebre taumaturgo (siddha) e alquimista tântrico, mas também um gênio filosófico de primeira categoria.
No século XVI d.C., Vijñāna Bhikṣu escreveu profundos comentários sobre as seis grandes escolas filosóficas.
Era um pensador notável que impressionou sobremaneira o pioneiro indólogo alemão Max Muller, criador da disciplina das mitologias comparadas.
Mas, ao mesmo tempo, era um praticante espiritual de primeira linha, adepto do Jñāna Yoga vedántico.
Do mesmo modo, Patañjali, autor ou compilador do Yogasūtra, era sem dúvida alguma um adepto do Yoga que nem por isso deixava de ser inteligentíssimo.
Como escreveu Christopher Chapple, pesquisador do Yoga:
“Alguns afirmam que Patañjali, ao apresentar a escola yogika, não deu nenhuma contribuição específica à filosofia.
“Eu afirmo, muito pelo contrário, que ele deu uma contribuição magistral, e o fez apresentando sem preconceito toda uma diversidade de práticas, numa metodologia profundamente arraigada na cultura e nas tradições da Índia. (1)
O Yoga de Patañjali representa o clímax de um longo desenvolvimento da tecnologia yogika.
De todas as escolas que existiram nos primeiros séculos da Era Cristã, a escola de Patañjali foi a que acabou sendo reconhecida como o sistema oficial (darshana) da tradição yogika.
Existem muitos paralelos entre o Yoga de Pátañjali e o budismo, e não se sabe se eles se devem simplesmente ao desenvolvimento simultâneo dos Yogas hindu e budista ou se decorrem de um interesse particular de Pátañjali pelos ensinamentos budistas.
Se Patañjali de fato viveu no século II d.C., como propomos aqui, é muito possível que ele tenha sofrido uma influência considerável do Budismo, que era forte naquele período.
Pode ser, porém, que as duas explicações estejam corretas (2).
O que sabemos de Patañjali?
Infelizmente, o que sabemos sobre Patañjali é quase nada. A tradição hindu identifica-o com o famoso gramático de mesmo nome que viveu no século II a.C. e escreveu o Mahabhāṣya.
O consenso da opinião dos estudiosos, porém, é que isso é muito pouco provável. Tanto o conteúdo quanto a terminologia do Yogasūtra aponta para o século II d.C. como data provável para a existência de Patañjali, quem quer que tenha sido (3).
A Índia conhece, além do gramático, vários outros Pátañjalis. O nome é mencionado como título do clã (gotra) do sacerdote védico Āsurāyaṇa.
O antigo Ṣaṭapaṭha Brāhmaṇa menciona um Patañcala Kāpya, que o estudioso alemão Albrecht Weber, no século XIX, tentou erroneamente identificar com Patañjali (4).
Houve depois um mestre do Sāṅkhya que tinha esse mesmo nome, cujas doutrinas são recapituladas no Yukti Dīpikā (fim do século VII ou começo do século VIII d.C.). Atribui-se talvez a outro Patañjali a autoria do Yoga Darpana (Espelho do Yoga), manuscrito de data desconhecida.
Por fim, houve um mestre de Yoga chamado Patañjali que fazia parte da tradição śaiva do sul da Índia. É possível que seja a ele que se refira o título do Patañjalasūtra de Umāpati Śivācārya, do século XIV, que é uma obra sobre a liturgia do templo de Natarāja em Cidambaram.
Segundo a tradição hindu, Patañjali foi uma encarnação de Ananta, ou Shesha, o rei milecéfalo da raça das serpentes, que supostamente guarda os tesouros ocultos da terra.
Diz-se que Ananta tomou o nome Patañjali porque queria ensinar o Yoga na Terra e caiu (pata) do Céu sobre a palma (añjali) de uma mulher virtuosa chamada Gonikā.
Na iconografia, Ananta é representado muitas vezes como a almofada sobre a qual reclina-se o deus Viṣṇu.
As muitas cabeças do senhor das serpentes simbolizam a infinitude ou a onipresença.
Não é difícil descobrir qual a ligação que Ananta tem com o Yoga, uma vez que este é por excelência o tesouro oculto, isto é, o conhecimento esotérico.
Até hoje, muitos yogins prostram-se perante Ananta antes de começar a rotina diária de exercícios yogis.
No versículo de benção que dá início ao Yogabhāṣya, comentário do Yogasūtra, o Senhor das Serpentes, Ahīśa, é saudado da seguinte maneira:
“Que Aquele que, deixando de lado a Sua forma original [não-manifesta], de diversas maneiras exerce a Sua soberania para fazer bem ao mundo.
“Aquele que se enrola em bela forma, dono de muitas bocas, dotado de venenos mortais mas eliminador de todo o exército das aflições (kleśa), fonte de toda a sabedoria (jñāna), e cujo círculo de serpentes-servas gera um prazer constante, o divino Senhor das Serpentes: que Ele, o qual nos concede generosamente o Yoga, jungido no Yoga, proteja-vos com o Seu puro corpo branco”.
Não há nada que possamos afirmar acerca de Patañjali que não seja pura especulação.
É razoável supor que ele tenha sido uma grande autoridade em Yoga e muito provavelmente o chefe de uma escola na qual o estudo (svādhyāya) era visto como um aspecto importante da prática espiritual.
Ao compor seus aforismos (sútra), valeu-se de obras já existentes. A contribuição específica que deu à filosofia, a julgar pelo próprio Yoga Sútra, não foi senão modesta.
Parece não ter sido um criador, mas um compilador e um sistematizador. Sem dúvida, porém, é possível que tenha escrito outras obras que não chegaram a nós.
(1) C. Chapple e Yogi Ananda Virāj (E. P. Kelly Jr.), The Yoga Sūtras of Patañjali: An Analysis of the Sanskrit with Accompanying English Translation (Delhi: Sri Satguru Publications, 1990), p. 15.
(2) Cf. S. N. Tandon, A Re-Appraisal of Patañjali’s Yogasūtra in the Light of the Buddha’s Teachings (Igatpuri, Índia: Vipassana Research Institute, 1995).
(3) A relação entre Patañjali, o adepto do Yoga, e Patañjali, o gramático, é objeto de um debate erudito em S. Dasgupta, A History of Indian Philosophy (Delhi: Motilal Banarsidass, 1975), vol. 1, pp. 230-233, Cf. também J. H. Woods, The Yoga System of Pátañjali (Delhi: Motilal Banarsidass, 3a ed., 1966), pp. xiii-xvii.
(4) Cf. A. Weber, The History of Indian Literature (Londres: Kegan Paul, Trench, Trübner & Co., 4a ed., 1904), p. 233n. Weber também diz que, segundo uma certa tradição, Pátañjali foi uma das encarnações anteriores do Buddha.
॥ हरिः ॐ ॥
Extraído do livro A Tradição do Yoga. Traduzido por Marcelo Brandão Cipolla), Editora Pensamento, São Paulo. Digitado por Cristiano Bezerra. Faça aqui o download gratuito deste livro, em sua edição inglesa.
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Oi gostaria de saber se vc conhece alguma escola que forma instrutores em Hatha Yoga aki na região do ABC.
Obrigada.
Denise.