Āsana, Pratique

A História dos Āsanas e a Evolução do Yoga

Os ásanas do Yoga se dividem em dois grupos: as posições de meditação, em que o praticante apenas senta no chão com as pernas cruzadas, e as culturais, que são todas as demais. O primeiro grupo certamente é o mais antigo, pois temos vários sinetes do vale do Indo que atestam sua presença naquele tempo.

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A história dos āsanas mais característicos do Haṭha é curiosa: eles não aparecem no início do processo de formação do Yoga, durante a idade védica.

Os āsanas do Yoga se dividem em dois grupos: as posições de meditação, em que o praticante apenas senta no chão com as pernas cruzadas, e as culturais, que são todas as demais.

O primeiro grupo certamente é o mais antigo, pois temos vários sinetes do vale do Indo que atestam sua presença naquele tempo. As primeiras referências aos āsanas remontam às Upaniṣads tardias, posteriores ao aparecimento do Haṭhayoga.

A primeira descrição de posturas de meditação aparece no Ṛgveda, no mantra VII:103 onde os brāhmaṇas, oficiantes dos sacrifícios, são comparados com um grupo de rãs:

“Fazem eco umas às outras com suas palavras, como se aprendessem a lição do seu mestre.”

Ora, esta comparação com as rãs sugere uma posição sentada. Existem duas palavras em sânscrito para rã: bheka e maṇḍuka. Coincidentemente, estes são os nomes de duas posturas.

O fato de os āsanas culturais não aparecerem representados em esculturas de cerâmica ou sinetes de esteatite (pedra-sabão) da cultura do Indus-Sarasvati nem descritos no Ṛgveda, não significa necessariamente que eles não existissem na época.

História dos āsanas

Apenas achamos muito significativa a ausência destes exercícios físicos nos mais de 4200 sinetes e esculturas desenterrados nos sítios arqueológicos da extensíssima área ocupada por esta civilização.

Acreditamos que, se eles se usassem naquele tempo, os cronistas-escultores que deixaram a vida inteira deste povo retratada na pedra não teriam deixado passar a chance de representá-los, assim como fizeram com deuses, yogis meditando, dançarinos, animais mítico ou reais e variadas cenas da vida cotidiana.

O que aparece no Ṛgveda, e que é muito mais importante que os próprios  āsanas, são as técnicas de prāṇāyāma, meditação e mantra.

Os textos posteriores à era védica (entre os quais se inclui o Yogasūtra de Patañjali), tampouco mencionam técnicas elaboradas que envolvam um trabalho físico específico.

Será preciso que passem mais alguns milênios da aventura espiritual hindu, até chegarmos, por volta do século IX da nossa era, à descoberta do corpo como instrumento de transformação interior. Isso acontece com o surgimento do Haṭhayoga, cuja história se confunde com o mito.

Esta forma de Yoga se nutre das mesmas raízes ancestrais que propunham a ‘conquista da imortalidade’, como afirmavam as Upaniṣads milênios antes, perseguindo igual objetivo que as mais remotas experiências e práticas ascéticas da Índia vêdica.

O Haṭhayoga é um método de Yoga tântrico surgido no período medieval (c. s. IX-XII), que almeja o despertar do potencial humano através de um processo simbólico de ascensão da energia chamada kuṇḍalinī.

Constitui um verdadeiro atalho através do mais violento esforço que o corpo possa suportar. Dá muita importância à prática de āsana, as posições físicas, ao prāṇāyāma, os respiratórios, e ao ṣaṭkarma, as purificações corporais.

Diz Tara Michaël que “O yogin que segue a via tântrica não procura desapegar-se do mundo fenomenal apoiando-se sobre as forças do intelecto; ele visa a transmutar toda a natureza, a partir de sua forma mais grosseira, a manifestação corporal.’ O Yoga, p. 165.

Para alcançar esta finalidade, o yogin se apoia na kuṇḍalinī, o formidável  poder latente que reside em todo ser humano.

O esforço físico imprescíndivel para realizar esta tarefa, coincide de forma notável com o caminho inverso ao pariṇāma, o processo de emanação que se descreve tanto no Tantra como no Vedānta e no Sāṅkhya: kuṇḍalinī deverá ascender desde o mais denso ao mais sutil, atravessando e despertando cada cakra.

Alcançada esta meta no sahāsrara, se produz a união de Śiva e Shakti, que representa a transcendência de todas as dualidades e formas de sofrimento.

Esta corrente recebe também o nome de Lāyāyoga, Yoga da dissolução ou do despertar da energia ígnea. A yogiṇī Tara Michaël  ainda ensina que cada tattva se dissolve no imediatamente superior, o denso no sutil, até que “o último é absorvido pela Consciência incondicionada.” Ibid, p.166.

O conhecimento ancestral encarnado pelo Tantra ancestral (sempre com o objetivo claro da alcançar a libertação, mokṣa) – une-se ao ‘novo’ Haṭha: uma curiosidade por experimentar com esses aspectos técnicos.

Embora não possa provar-se historicamente, a aparição deste método vincula-se tradicionalmente ao yogin Gorakṣanātha, autor dos tratados Haṭhayoga (hoje perdido) e Gorakṣaśaṭaka.

Os principais textos sobre esta disciplina, fora esses já citados, são a Haṭhayoga Pradīpikā, a Gheraṇḍasaṁhitā e a Śivasaṁhitā, de autor anônimo, sendo este último o mais extenso e elaborado do ponto de vista filosófico.

A Haṭhayoga Pradīpikā, atribuída a Svātmārāma Yogendra, é uma das poucas compilações de técnicas de Yoga que se conservaram. Data provavelmente do século XV.

Gheraṇḍa, um vaiṣṇava bengalês, foi o autor do tratado Gheraṇḍasaṁhitā, uma compilação tardia de técnicas de Haṭhayoga, escrito provavelmente na mesma data.

Comparando esses textos podemos perceber, na história dos āsanas, uma evolução clara: as técnicas físicas ficam cada vez mais sofisticadas, complexas e numerosas.

Os entusiastas do Yoga especulam que os exercícios físicos do Yoga remontariam à pré-história, quando o homem reverenciava Savitri, o deus-sol.

Embora esta visão seja muito romântica, há evidências hoje em dia que apontam para o fato de que os āsanas seriam a parte mais nova do repertório de técnicas do Yoga.

Porém, para mais além de qualquer especulação que possamos fazer em relação à história dos āsanas , o que realmente importa é que, ao praticar, estejamos cientes de que Savitri é a inteligência que subjaz no sol e em toda a criação, a fonte de todas as formas de vida, e de que é a mesma inteligência que anima o nosso corpo, graças à qual existimos.


Extraído do livro Yoga Prático.

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Pedro nasceu no Uruguai, 58 anos atrás. Conheceu o Yoga na adolescência e pratica desde então. Aprecia o o Yoga mais como uma visão do mundo que inclui um estilo de vida, do que uma simples prática. Escreveu e traduziu 10 livros sobre Yoga, além de editar as revistas Yoga Journal e Cadernos de Yoga e o site yoga.pro.br. Para continuar seu aprendizado, visita à Índia regularmente há mais de três décadas.
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Pedro Kupfer em Meditação, Pratique, Yoga na Vida
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