Sempre considerei os contrastes um absurdo. Contraste é chocante mas é maior sorte passar por eles. Sorte no sentido de aprendizado puro. Sorte por ter a oportunidade de ser chacoalhada, sacudida de meu lugar de sempre, tão limitado! Sorte de ter a chance de sentir na pele e no osso o que o fundo do coração aponta como não sendo aquilo que eu busco. Agradeço ao contraste por contribuir para um foco que se faz claro e que ilumina o sentido não só da prática de Yoga, mas da vida.
Não seria o sentido da prática de Yoga a busca pelo sentido da vida? O propósito que me move ao Yoga e que me põe em direção a alguma coisa muito maior. O coração avisa imediatamente quando a alma fica pequena. E os olhos ardem quando me presto em demasiada atenção ao inútil e me perco em assuntos que me enganam de mim. É fácil perder o propósito da prática de Yoga.
Afinal, é tão impalpável que às vezes nem lembramos que existe. Certo é também que durante muito tempo praticamos sem propósitos ou com propósitos escuros, limitados, tão nossos que se limitam à uma pobre estética ou apenas ao conforto de um bem estar nada altruísta.
O contraste entre diferentes abordagens de Hatha Yoga é interessante para aguçar a sensibilidade para este “sentido”. Algumas aulas mexem com o corpo sem citar a respiração. Outras falam de respiração, movimento e suor. Outras de alinhamento máximo, perfeito.
E poucas, cada vez mais raras, falam de Hatha Yoga. Quase não se fala, em meio à popularização do Yoga, sobre a ciência do equilíbrio de forças sutis à muito conhecidas como Yin e Yang, sol e lua, masculino e feminino, positivo e negativo, ida e pingala.
Qual seria o propósito da prática de Hatha Yoga se não equilibrar os fluxos de energia para facilitar o conhecimento e a meditação? Sabe-se que é possível acessar melhor a mente através do conhecimento dos fluxos de energia no corpo. E sabe-se que é possível acessar melhor a energia através da respiração. Então porque pranayama é assunto cada vez mais raro? E porque não meditamos nas aulas?
Não quero aqui criticar métodos específicos de Yoga. Esse assunto é bem mais abrangente e não se resume aos métodos, que são pequenos dentro de um todo de Yoga. Mas é interessante olharmos para a questão do propósito.
E mais interessante ainda seria se nos interessássemos por experimentar o que está ali, há tantos e tantos anos e que nos foi passado por seres que mergulharam em si sem medo. Sem disfarces, sem perder tempo em detalhes, sem perder de vista o foco. Que foco?
Aquela certeza interna que diz que a consciência pode ser mais abrangente e que o coração pode ser maior. Que podemos entender mais, que podemos mudar e que temos plena capacidade de ver as mesmas situações de formas diferentes. Que podemos conhecer a nós mesmos em relação a um todo maior.
Que podemos ver o outro como um igual e assim perder menos energia e menos tempo reforçando o isolamento, tentando desesperadamente ser alguma coisa se agarrando às coisas pequenas. Sem modelos de felicidade e plenitude. Sem trazer em mente o marketing zen ou a cara de pessoa calma e centrada. Mas sendo o que somos, seja lá o que for, e muito mais. Foco só é foco em relação a um contexto. Foco sem contexto é estreito. É um ponto solto no ar. Um nada que leva à nada.
Percebo que é da mente essa mania de usar as informações para justificar hábitos e assim, permanecer na mesma ou ainda mais sem noção de si. Como é comum usar uma prática “agressiva” para sustentar a própria agressividade. Como é comum perder-se em detalhes para assim não ocupar-se de si.
Como a pessoa que não consegue parar quieta e sai arrumando tudo pela casa como num surto, quando deveria era parar quieta e descobir o que a inquieta tanto. Como é comum inventar mais um personagem, com um novo corpo e roupas diferentes para disfarçar aquele que não se quer ver. E se faz isso com Yoga. Eis que surge o personagem zen. Mais um cego do repertório de cegos que já carregamos.
A descontextualização do Hatha Yoga de suas técnicas tradicionais nos faz perder de vista o propósito que inclusive originou o Hatha Yoga mesmo. O Yoga, antes de ser Hatha, já existia plenamente em seu significado original como o conhecimento que revela a união ou que leva à união ou que desfaz a dualidade que faz com que eu me veja completamente separado de tudo e de todos. O Yoga fora de seu contexto, eu não sei o que é.
Pelos contrastes entre práticas contextualizadas e não-contextualizadas percebo que sim, o Yoga poderia fazer parte do currículo do curso de graduação em Educação Física. Sem problemas. E realmente acho que essa velha briga entre Yoga e Educação Física é culpa nossa, professores de Yoga. Os verdadeiros responsáveis por transformar as aulas de Hatha Yoga em aulas de ginástica.
Pode até ser uma ginástica refinada. Mas ainda assim é ginástica. Quando não se encontram mais o propósito e os elementos de Hatha Yoga ou qualquer outro Yoga, o que resta é trabalho corporal dos bons, mas ainda assim, se ensinado apenas assim, trabalho corporal dos bons.
Excelente texto. Pratico Hatha Yoga em um estúdio onde somos conduzidos a uma prática vigorosa onde nosso corpo é nosso instrumento meditativo. Praticamos pranayama durante o início, meio e fim de nosso encontro. Cada ashana é conduzido para nos aprimorarmos no auto conhecimento e na nossa capacidade de meditar. Agradeco pelos textos publicados. Namastê.
Excelente texto. Pratico Hatha Yoga em um estúdio onde somos conduzidos a uma prática vigorosa onde nosso corpo é nosso instrumento meditativo. Praticamos pranayama durante o início, meio e fim de nosso encontro. Cada ashana é conduzido para nos aprimorarmos no auto conhecimento e na nossa capacidade de meditar. Agradeco pelos textos publicados. Namastê.
Olá Manu!
Excelente artigo! Realmente, fomos nós professores de Yoga que na ânsia que de “divulgarmos” melhor nossas escolas acabamos por deturpar um conhecimento vasto e completo, reduzindo-o a meras posturas ou sequências “fortes” ou “relaxantes”.
Está realmente cada vez mais difícil uma aula ou professor que dê uma prática completa de Hatha Yoga, incluindo kriya, asana, pranayama, mudra/bandha e dhyana. Além disso, é muito normal vermos praticantes de Yoga buscando um “complemento” em técnicas de Budismo ou New Age, para ficarem mais “espirituais”, já que têm uma prática muito “física”.
Oi Manu, tudo bem? gosto muito dos seus textos. Além de muito bem escritos, dá para sentir a conexão que eles têm com o coração. Muito lindos! Gostaria apenas de tomar a liberdade de interpretação e comentar o último parágrafo.
Concordo contigo que nós professores contribuímos e damos abertura para que o Yoga seja visto como ginática. E não vejo problema algum no Yoga fazer parte do currículo de Educação Física.
Até mesmo de se tornar uma disciplina acadêmica, apesar das implicações que isto pode ter. Mas receio quando observo que a disciplina de Educação Física quer se apropriar do Yoga e vincular o ensino deste à formação acadêmica.
Essa atitude, creio, vai de encontro ao princípio fundamental do Yoga, a liberdade. E acho que devemos ter a liberdade de tanto ensinarmos um trabalho corporal dos bons ou sermos despertadores ambulantes.
Como nos disse o nosso sábio amigo piadista que ensina Yoga nas horas vagas, o Brunão:
“Já pensou se alguém tivesse este poder de me controlar? De me manipular? Se Yoga é uma ferramenta para a liberdade, não vejo o sentido de me controlar.”
Tomo a liberdade de parafraseá-lo e dizer, já pensou então se algum órgão limitador, careta e de visão restrita tivesse o poder de controlar o Yoga no Brasil? De manipular o seu ensino?
Se o Yoga é uma ferramente para a liberdade, não vejo o sentido de um orgão que está vinculado ao ensino, mas também é comercial e reflete uma visão de mundo fragmentada, controlar o Yoga.
Manu, obrigado pelos seus textos e pela oportunidade que nos dá de refletirmos com eles e nos refletirmos neles.
Hari Om!