Introdução à Rāmagītā
O presente texto faz parte das Purāṇas, obras da tradição indiana que versam sobre espiritualidade, dharma, cosmogonia, cosmologia, medicina, astronomia, gramática, história e mitologia atribuídas ao grande compilador Vedavyāsa, de linguagem acessível e fácil compreensão.
Não obstante o acessível da linguagem, ele pede a explicação de um professor qualificado, já que transmite a essência do Vedānta, śrutisāra saṅgraha.
Esse professor, cuja sabedoria ilumina as palavras deste trabalho, é Swāmi Dayānanda Sarasvatī, graças a quem tivemos o privilégio de aprendê-lo por meios de esclarecedores comentários num retiro que aconteceu durante o mês de março de 2009 no Aṛṣa Vidyā Pīṭham, mosteiro da cidade sagrada de Rishikesh, ao norte da Índia.
Gītā significa canção. Rāmagītā é a “Canção de Rāma”. Rāma é um dos dez avatāras, a sétima das dez encarnações do deus Viṣṇu, que se manifesta na terra quando o dharma, a Lei Universal, está em perigo.
O propósito das manifestações desse deus é educar a Humanidade e lembrar daquilo que foi esquecido para restaurar a harmonia e a justiça, na sociedade e no mundo.
Este texto é um diálogo entre Rāma e seu irmão Lakṣmaṇa, que aparece no quinto capítulo do Uttarakhanda, que é parte integrante do Adhyātma Rāmāyāṇa que, por sua vez compõe a Brahmāṇḍa Purāṇa.
Essa conversação entre os dois irmãos é narrada pelo deus Śiva para sua esposa Pārvatī, que manifestara o desejo de conhecer a glória de Rāma.
Lakṣmaṇa, irmão mais novo e fiel companheiro de Rāma, pergunta a ele como atravessar o oceano da ignorância e deixar o sofrimento para trás. A instrução de Rāma ao seu jovem irmão é esta Rāmagītā.
O texto diz, no śloka 49: “Śrī Rāma, dinamizando o oceano das Upaniṣads, extraiu este conhecimento e o condensou na Rāmagītā.
“Ele deu este conhecimento com muita satisfação para Lakṣmaṇajī. [Através dela], podemos assimilar esse conhecimento, e aprender a nos conhecer como o Ilimitado”.
Este ensinamento, que mostra que o indivíduo (jīvātma) é idêntico ao Ilimitado (Brahman), deve ser compreendido se quisermos uma vida tranquila, apesar as dificuldades inerentes a qualquer existência humana.
A não-dualidade é um fato, apesar da aparente distinção sujeito-objeto, já que essa distinção não contradiz a não-dualidade.
Este é o conhecimento do Veda. Está ao longo dos mantras do Ṛgveda e, especialmente, no fim dele, condensado nas Upaniṣads.
Essa visão, contudo, não está apenas nos Vedas mas igualmente em todas as Purāṇas.
Existem 18 “Grandes Purāṇas” (Mahāpurāṇas) nos quais esta visão está também presente.
As Purāṇas são antigos registros de mitos, histórias de sábios e yogis, dinastias reais e cosmologia, que estão agrupados em três divisões:
a) Rājasa Purāṇas, que exaltan Brahmā (Brahmā, Brahmāṇḍa, Brahmāvaivarta, Mārkaṇḍeya, Bhaviśya e Vāmaṇa Purāṇa),
b) Sāttvika Purāṇas, que exaltam Viṣṇu (Bhāgavata, Nāradīya, Garuḍa, Padma e Varāha Purāṇas), e
c) Tāmasa Purāṇas, que exaltam Śiva (Śiva, Liṅga, Skanda, Agni (ou Vāyu), Matsya e Kūrma Purāṇas). O ensinamento do Yoga está presente em todos estes śāstras, que são cheios de histórias, mitos e ensinamentos.
Na tradição espiritual da Índia, sempre que houver ensinamento sobre autoconhecimento, ele será transmitido na forma de um diálogo, com é este caso.
Nunca encontraremos, nessa vasta literatura sagrada, um texto em que se ensine algo sobre espiritualidade de forma narrativa.
O conhecimento que liberta da ignorância sempre aparecem em forma de diálogos, entre dois irmãos, como é o caso da Rāmagītā, ou entre professor e estudante, marido e mulher ou pai e filho, como em algumas Upaniṣads e outros śastras.
O processo de gestação do presente trabalho foi o seguinte: ao longo das semanas do retiro, este compilador foi tomando notas das traduções, comentários e esclarecimentos de Śrī Swāmi Dayānanda, e acompanhando paralelamente o estudo com uma tradução para o inglês feita por Śrī Swāmi Cinmayānanda, um dos professores de Śrī Swāmijī.
O paciente leitor, sabendo que este texto é em parte uma transcrição feita a partir de aulas, saberá perdoar o estilo coloquial e alguma eventual repetição, característicos da linguagem oral.
Espero que a minha transcrição do ensinamento tenha conseguido captar a profunda compaixão que Swāmiji nutre pelos buscadores da verdade, bem como o humor, a ironia e a atitude pé-no-chão que lhe são tão característicos.
Para realizar esta tarefa a contento, tive que tomar algumas interessantes decisões ao longo da confecção desta tradução comentada.
Dado o extremo cuidado que devemos ter com o uso da palavra no Vedānta, precisei apelar para o uso dos colchetes, para fazer a reconstituição do texto onde se fizesse necessário.
Igualmente, usei palavras em itálico para chamar a atenção do leitor para algum uso específico e talvez não muito habitual de algumas expressões.
Ainda, o leitor irá reparar em alguns neologismos que criei no calor da digitação, para transmitir a acurada visão de Swāmiji, como oceanidade ou potidade, e ainda nomes como Neoyoga (expressão cunhada pela minha amiga Tárika Lima) e Neovedānta (“modern Vedānta”, nas palavras de Swāmiji), para distinguir a visão tradicional das recentes criações híbridas que, muitas vezes, são ilógicas, incorretas ou confusas.
Deixo aqui meu agradecimento a Śrī Swāmijī por me ter aceitado como seu discípulo. O convívio com o mestre ao longo dos anos, bem como o aprendizado nas pequenas coisas do cotidiano nas muitas temporadas em que convivemos com ele no seu Āśram de Rishikesh, foram essenciais para abrir os meus olhos. Espero que este trabalho possa motivar o amigo leitor e inspirar a sua caminhada em direção à liberdade.
॥ हरिः ॐ ॥
Hariḥ Oṁ.
Pedro Kupfer.
Rishikesh, março de 2009.
॥ हरिः ॐ ॥
॥ हरिः ॐ ॥
Swāmi Dayānanda Saraswatī (1930-2015) ensinou a sabedoria tradicional do Vedanta por cinco décadas, na Índia e em todo o mundo. Seu sucesso como professor é evidente no sucesso dos seus alunos: mais de 100 deles são agora Swāmis, altamente respeitados como estudiosos e professores.
Dentro da comunidade hindu, ele trabalhou para criar harmonia, fundando o Hindu Dharma Acharya Sabha, onde chefes de diferentes seitas podem se reunir para aprender uns com os outros.
Na comunidade religiosa maior, ele também fez grandes progressos em direção à cooperação, convocando o primeiro Congresso Mundial para a Preservação da Diversidade Religiosa.
No entanto, o trabalho de Swāmi Dayānanda não se limitou à comunidade religiosa. Ele é o fundador e um membro executivo ativo doAll India Movement (AIM) for Seva.
Desde 2000, a AIM vem trazendo assistência médica, educação, alimentação e infraestrutura para as pessoas que vivem nas áreas mais remotas da Índia.
Havendo crescido em uma pequena vila rural, ele próprio entendeu os desafios particulares de acessar a ajuda enfrentada por pessoas de fora das cidades. Hoje, o AIM for Sevaestima ter ajudado mais de dois milhões de pessoas necessitadas em todo o território indiano.
gratidão por está entoducao Wagner xavier